Albert Collins "The Iceman": frio, cortante e poderoso

Albert Collins "The Iceman": frio, cortante e poderoso



Há pouco tempo, celebramos aqui no Todo Dia Um Blues o histórico encontro que deu vida ao álbum Showdown!, reunião imortal de Albert Collins, Robert Cray e Johnny Copeland. Aquele registro, lançado em 1985 pela Alligator Records, não apenas selou uma parceria de titãs, mas também colocou em evidência um dos maiores guitarristas da história do blues: Albert Collins, o “Iceman”, homem que transformou cada nota em um relâmpago congelado, capaz de atravessar a pele e alcançar a alma.

As raízes no Texas

Albert Collins nasceu em 1º de outubro de 1932, em Leona, no Texas, e cresceu em Houston. Seu destino parecia inevitável: cercado por músicos e influenciado por lendas como John Lee Hooker e, sobretudo, Lightnin’ Hopkins, primo distante e referência direta em sua formação, Collins encontrou cedo no blues um caminho de expressão. Começou tocando piano e harmônica, mas foi na guitarra que a chama realmente acendeu. Aos 18 anos já empunhava sua Telecaster com a afinação aberta em F menor — um detalhe que se tornaria sua marca registrada e lhe daria aquele som cortante, quase metálico, que lhe rendeu o título de “The Master of the Telecaster”.

A construção de um estilo único

Collins nunca foi apenas mais um guitarrista de blues. Sua pegada era afiada, agressiva, cheia de attack, como se cada acorde fosse disparado com a fúria de um trovão. Ele dispensava a palheta e preferia tocar com os dedos, técnica que amplificava a força de suas notas. Seu timbre se tornou inconfundível, algo que podia ser reconhecido após os primeiros segundos de uma faixa. Esse estilo próprio foi moldado em clubes do Texas, onde passou a década de 1950 construindo sua reputação.

Em 1958 lançou seu primeiro single, The Freeze, título que já anunciava a temática gelada que acompanharia toda a sua carreira. O apelido “Iceman” não veio por acaso: além de batizar faixas como Frosty, Thaw Out e Sno-Cone, seu blues carregava a sensação de uma ventania fria, cortante e poderosa.

O reconhecimento e a estrada

Durante os anos 1960 e 1970, Collins enfrentou dificuldades típicas de muitos músicos de blues: gravava pouco, tocava em bares locais e batalhava para viver de sua arte. Mas seu talento não passou despercebido. Nomes como Jimi Hendrix e Stevie Ray Vaughan o tinham como referência e não escondiam a admiração pelo seu estilo. Albert Collins era um músico de músicos, respeitado por sua autenticidade e pela maneira como reinventava os limites da guitarra elétrica.

Foi somente nos anos 1970, após assinar com a Alligator Records, que sua carreira ganhou maior projeção. Discos como Ice Pickin’ (1978), Frostbite (1980) e Don’t Lose Your Cool (1983) solidificaram sua imagem e levaram seu nome ao público internacional. No palco, Collins era um verdadeiro showman: gostava de caminhar pela plateia com seu longo cabo de guitarra, transformando cada apresentação em uma experiência elétrica e imprevisível.

Showdown! e a consagração

O ponto alto de sua carreira veio em 1985 com o álbum Showdown!, gravado ao lado de Johnny Copeland e Robert Cray. O disco foi um sucesso absoluto, premiado com o Grammy de Melhor Álbum de Blues Tradicional em 1986. Mais do que um prêmio, foi a consagração de três gerações de guitarristas que dialogaram em um encontro explosivo e memorável. Collins, já então um veterano, mostrou ao mundo porque era considerado um dos grandes inovadores do gênero.



O mestre da Telecaster

A relação de Albert Collins com a guitarra era visceral. Sua Fender Telecaster de 1966, apelidada de “The Fender with a Capo”, era sempre afinada em F menor, com o capo colocado em diferentes casas, criando um som que se tornaria lendário. Ele dizia que sua guitarra era uma extensão de sua voz — e de fato era: quando falhava em palavras, Collins deixava que sua Telecaster gritasse por ele.

Além da técnica, seu repertório era marcado por humor e ironia. Títulos de músicas como If Trouble Was Money e I Ain’t Drunk revelam a sagacidade de um artista que sabia misturar lirismo e cotidiano com a mesma intensidade com que dedilhava suas cordas.

A despedida precoce

Albert Collins nos deixou cedo demais. Em 24 de novembro de 1993, vítima de câncer no fígado, encerrou sua trajetória aos 61 anos. Sua morte abalou a comunidade do blues, que perdeu não apenas um guitarrista de talento incomparável, mas também uma presença carismática, um homem generoso que inspirou gerações. Como poucos, ele soube transformar o frio em calor, o silêncio em tempestade e a dor em música.

O legado do Iceman

Hoje, Albert Collins permanece vivo em cada acorde que ecoa de sua Telecaster imortal. Sua obra influenciou gigantes e continua a inspirar jovens guitarristas ao redor do mundo. Mais do que técnica, ele deixou um legado de autenticidade, ousadia e paixão pelo blues. Foi um artista que soube incendiar multidões com notas de gelo — um paradoxo que só os verdadeiros mestres conseguem alcançar.

Quando lembramos de Collins, não evocamos apenas um guitarrista. Evocamos o Iceman, o homem que reinventou a linguagem da guitarra elétrica e se eternizou como um dos pilares do blues moderno.


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