Jimmy Smith: o Hammond B-3 do jazz ao blues
Jimmy Smith: o Hammond B-3 do jazz ao blues
Houve um tempo em que o jazz parecia ter encontrado todas as suas vozes. Trompetes que falavam como gente, saxofones que choravam como crianças, pianos que corriam como rios. E então surgiu um instrumento que mudaria tudo: o Hammond B-3. E, junto dele, um músico capaz de transformá-lo em um ser vivo — Jimmy Smith, o mestre absoluto das teclas giratórias, o homem que fez o jazz vibrar com intensidade elétrica e alma profunda.
Mais do que um instrumentista virtuoso, Smith se tornou a própria gramática do órgão no jazz. Tudo o que veio depois dele — no soul-jazz, no blues, no funk, no R&B — ecoa seu toque, seu ataque rítmico, sua construção harmoniosa e sua capacidade de fazer um trio soar como uma big band.
Da Filadélfia para o mundo: um talento em expansão
Nascido em 8 de dezembro de 1925, na Filadélfia, Jimmy Smith cresceu em um ambiente musical doméstico, ouvindo seu pai tocar piano e absorvendo gospel desde cedo. Começou no piano, naturalmente, até se deparar com o Hammond B-3 nos anos 1950 — um encontro que o definiria para sempre.
O impacto foi imediato. Smith encontrou no órgão um universo novo: era possível soar percussivo e suave, solto e profundo, bluesy e sofisticado ao mesmo tempo. Ele estudou obsessivamente, explorando registros, combinações e técnicas ainda pouco compreendidas na época. Quando finalmente subiu aos palcos, a sensação era de revelação. Um novo som havia nascido.
Seu trio — órgão, guitarra e bateria — tornou-se sua assinatura. Um formato enxuto, mas expansivo, com espaço para improvisação e balanço. Rapidamente, Smith se tornou presença constante nas casas de jazz da Filadélfia e posteriormente de Nova York, chamando a atenção de músicos, críticos e produtores.
A era Blue Note: clássicos que moldaram gerações
Em 1956, ele assinou com a Blue Note Records, iniciando um dos catálogos mais influentes da história do jazz moderno. Álbuns como The Sermon!, Back at the Chicken Shack e Midnight Special mostraram ao mundo um organista capaz de fundir jazz, blues e gospel com uma naturalidade arrebatadora.
Foi durante esse período que Smith estabeleceu o vocabulário completo do Hammond no jazz: os glissandos dramáticos, os acentos precisos, o swing contagiante, os pedais de grave firmes como um contrabaixo acústico e o fraseado tão ágil quanto o dos melhores saxofonistas.
Jimmy Smith não apenas tocava órgão — ele o reinventou.
O diálogo com o blues
Embora celebrizado no jazz, Smith sempre teve o blues como pulsação essencial. Ouvi-lo tocar era como testemunhar uma conversa entre tradição e invenção. Ele compreendia profundamente a linguagem do blues e a incorporava com elegância, criando solos que pareciam caminhar direto do sul dos Estados Unidos para as ruas urbanas e vibrantes do pós-guerra.
Essa relação se intensificaria ainda mais em trabalhos posteriores, especialmente no álbum que se tornaria um marco também entre os fãs de blues: Dot Com Blues.
“Dot Com Blues”: encontros luminosos em torno do groove
Lançado em 2001, Dot Com Blues é um dos álbuns mais celebrados da fase tardia de Jimmy Smith. E não por acaso: o disco reúne um elenco estelar e traz Smith completamente integrado à linguagem do blues contemporâneo.
No estúdio, ele estava acompanhado por uma banda afiadíssima: Russell Malone na guitarra — sempre elegante, seguro, fluido —, Reggie McBride segurando o peso e a maciez do baixo, e Harvey Mason na bateria, com seu toque moderno e preciso.
Mas o brilho se expande ainda mais com as participações especiais. Dr. John empresta seu voodoo característico; Taj Mahal traz seu timbre ancestral; Etta James rasga a alma em cada verso; e B.B. King surge com seu fraseado inconfundível, colocando Lucille para conversar com o B-3 de Jimmy Smith como dois velhos amigos trocando confidências.
O álbum é um encontro intergeracional e inter-estilístico, mas sempre com Smith no centro, guiando o groove com autoridade e carisma. Em suas mãos, o Hammond soa moderno, jovial, vibrante — uma prova de que seu impacto musical nunca diminuiu.
A presença no palco: energia, humor e improviso
Jimmy Smith era um showman. Seus concertos eram repletos de energia, improvisações longas, momentos de humor e diálogos musicais com o público. Ele gostava de brincar com a expectativa, segurando notas, criando tensões, fazendo o trio explodir em uníssono no momento certo.
Para muitos, assistir a Jimmy Smith ao vivo era uma experiência espiritual. Parte desse magnetismo vinha de seu domínio absoluto do instrumento; outra parte, de sua sensibilidade. Ele tinha a capacidade rara de fazer o órgão soar humano — ora rindo, ora chorando, ora dançando com quem estivesse na plateia.
O legado incontornável
O impacto de Jimmy Smith é tão profundo que se espalha para além do jazz. O soul de Booker T. Jones, o funk de Billy Preston, o rock psicodélico, o acid jazz, o neo-soul, o groove moderno — todos beberam diretamente da fonte aberta por Smith.
Seu estilo tornou-se o padrão. Sua técnica, o manual. Sua ousadia, o convite para que novas gerações seguissem transformando o Hammond.
Jimmy Smith é, até hoje, o estilista definitivo do órgão no jazz.
Os últimos dias e a despedida
Smith continuou gravando e se apresentando até o fim da vida. Mesmo com a idade avançada, seu vigor musical impressionava. A chama criativa seguia acesa, o toque seguia preciso, e o swing seguia dançando como nos anos dourados.
Em 8 de fevereiro de 2005, Jimmy Smith faleceu em sua casa, na Califórnia, aos 79 anos. A notícia correu o mundo e deixou claro o tamanho de sua ausência — e, ainda mais, o tamanho de sua presença.
Porque Jimmy Smith não partiu. Ele ecoa em cada organista que ousa tocar um B-3 hoje. Em cada trio que decide explorar novos caminhos. Em cada músico que encontra no jazz e no blues a mesma centelha capaz de mover mundos.
Ele vive na vibração das teclas, no rodopio das leslies, na batida que levanta poeira e alma. Vive na história da música. Vive no coração de quem o ouve.
Jimmy Smith fez o Hammond B-3 cantar — e jamais deixará de cantar.


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