Benny Turner: irmão e parceiro de Freddie King

Benny Turner: irmão e parceiro de Freddie King



Hoje celebramos o aniversário de Benny Turner (nascido em 27 de outubro de 1939), figura de peso na história do blues, tanto como baixista, guitarrista e vocalista — quanto como testemunha viva de um legado familiar e musical que atravessa gerações. Neste artigo, vamos desvendar a sua trajetória, a relevância de seu trabalho solo e, em destaque, o álbum My Brother’s Blues, uma homenagem sentida ao seu irmão mais velho, Freddie King.

Infância, raízes e o primeiro encontro com o blues

Benny Turner nasceu em Gilmer, Texas, em uma família musical – sua mãe, Ella Mae (King) Turner, e seus tios Leon e Leonard King tocavam e cantavam juntos, cercados por hinos de blues, gospel e swing. Ainda menino, Benny e Freddie corriam para casa da escola para ouvir o rádio — programas como “In the Groove” permitiam-lhes absorver os sons de Louis Jordan, Charles Brown, T‑Bone Walker. 

Com a mudança da família para Chicago no início dos anos 1950, as possibilidades se abriram. Na cidade dos blues elétricos, Benny teve contato direto com as manifestações urbanas do gênero, e, ainda que o irmão Freddie tenha visivelmente assumido o posto de guitarrista de destaque, Benny encontrou seu caminho no instrumento que definiria parte de sua história: o baixo. 

Ao lado do irmão: sideman, parceiro de estrada e profissional do palco

A relação musical entre Benny e Freddie King foi muito mais que fraternal — foi profissional. Benny tocou com Freddie, assumindo o baixo em sua banda, participando de turnês, gravando e vivenciando os bastidores de um dos grandes nomes do blues elétrico. 

Durante esse período, Benny acumulou vivências inestimáveis: tocar em clubes lendários de Chicago, encarar a estrada — em momentos de glória e adversidade — e absorver o ritmo, a técnica e o espírito da música de seu irmão e dos ambientes em que atuavam. A convivência com Freddie moldou sua musicalidade.

Quando Freddie King faleceu prematuramente em 1976, aos 42 anos, Benny enfrentou uma severa crise pessoal e profissional. Ele se afastou dos palcos por um tempo, abrigando dor e lembranças de um parceiro que era, ao mesmo tempo, irmão e mentor musical. 

Recomeço, outras parcerias e o início tardio da carreira solo

Depois desse hiato, Benny retornou ao palco: ele atuou com Mighty Joe Young, assumiu o papel de bandleader e baixista para Marva Wright por cerca de duas décadas — acumular essas experiências ajudou-o a desenhar o seu próprio estilo, fora da sombra de Freddie. 

Somente em 2014 Benny lançou seu primeiro álbum solo, intitulado Journey, marcando o início de uma nova era. A partir desse momento, assumiu plenamente os holofotes e mostrou que sua bagagem não era só de suporte, mas de protagonista. 

My Brother’s Blues: quando a homenagem vira manifesto

O álbum My Brother’s Blues, lançado em 2017, representa um ponto de inflexão na carreira de Benny Turner. Trata-se de um tributo explícito a Freddie King: Barry foi o “irmão, companheiro de banda, melhor amigo”, como bem está escrito no encarte. 

No disco, Benny interpreta onze temas do repertório de Freddie — incluindo “Big Legged Woman”, “Have You Ever Loved a Woman”, “You’ve Got to Love Her with a Feeling” — e assume não só o baixo, mas também os vocais principais, além de inserir sua guitarra quando necessário. 

Musicalmente, o álbum mistura o groove do blues elétrico com a elegância do soul, metais incisivos, Hammond e um baixo que insiste em cantar. Segundo a crítica especializada: “neste projeto, Benny mais uma vez prova que consegue se manter no mesmo nível dos melhores do ramo da música…”

Resultado desse trabalho: o álbum recebeu reconhecimento internacional, com indicação ao Grammy Blues/Instrumental-Baixo, prêmios e menções em listas especializadas. 



Reconhecimento e legado tardio

Em 2017, Benny Turner foi introduzido no Chicago Blues Hall of Fame, como um «Blues Master», reconhecimento merecido após décadas de dedicação ao gênero. 

Além disso, sua longa jornada — desde o Texas rural, passando por Chicago, até residir em Nova Orleans — fez dele uma ponte viva entre diferentes épocas do blues: o gospel de infância, o blues de Chicago, o R&B de estrada e o solo como artista veterano. Em entrevistas, ele mesmo declara que o blues é “estado de ser”, mais que apenas som. 

Estilo, virtudes e a marca de Benny Turner

Como baixista — normalmente usando palheta — Benny desenvolveu um som próprio, incisivo e melódico, capaz de adicionar profundidade ao groove.  Seu vocal, embora tardio em assumir protagonismo, carrega a autenticidade de quem “vivia o blues”, e não apenas o tocava.

Outro destaque é sua fidelidade à tradição, porém sem estagnação. Em My Brother’s Blues, por exemplo, ele revisita clássicos com pé nas raízes e olhar contemporâneo, propondo uma interpretação pessoal e vibrante. Esse equilíbrio entre respeito ao legado e voz própria caracteriza sua obra.

Discografia selecionada e curiosidades

Alguns marcos da discografia de Benny Turner:

  • Journey (2014) – ingresso como artista solo completo.
  • When She’s Gone (2016) – antes de My Brother’s Blues, já mostrando seu estilo “frontman”.
  • My Brother’s Blues (2017) – tributo ao irmão Freddie, destaque da carreira.
  • Going Back Home (com Cash McCall, 2019) – revisita das raízes de Chicago.
  • BT (2024, Nola Blues Records) – seu mais recente trabalho, gravado em Nova Orleans, no qual Benny revisita sons de soul e blues com a serenidade e a energia de um veterano que ainda tem muito a dizer.

Curiosidades:

  • Benny começou na guitarra nos tempos de juventude, mas um “pedido de última hora” para tocar baixo em uma apresentação da banda de Freddie King fez com que ele mudasse para o instrumento e ali se assentasse sua carreira.
  • Ele viveu o racismo da época e o ambiente muitas vezes hostil para músicos negros nos Estados Unidos — essas experiências, segundo ele, moldaram a sua visão de mundo e de música.
  • Embora tenha passado décadas como sideman, Benny afirma que não se considera “voz tardia”: “eu vivi o blues e esse sentimento não pode ser ensinado”.

Por que Benny Turner importa para o blues hoje?

Benny Turner representa uma ponte — entre o blues primitivo e o contemporâneo, entre o Texas rural e o urbano Chicago, entre a condição de coadjuvante de gigantes e a de protagonista tardio. Seu trabalho como baixista moldou grooves importantes, seu vínculo com Freddie King coloca-o dentro de uma linhagem essencial, e sua obra como frontman mostra que a idade ou o tempo passando não impedem a reinvenção.

Além disso, o álbum My Brother’s Blues é um exemplo de como um músico pode revisitar o legado familiar e transformá-lo em arte própria, reafirmando que tributo não significa cópia, mas continuidade criativa.

Para os aficionados do blues — e para quem quer entender as ramificações que ele tomou através das décadas — Benny Turner oferece um olhar interno e autêntico. Ele é testemunha viva, executor competente e, finalmente, narrador da sua própria história.

Conclusão

Ao comemorar o aniversário de Benny Turner, é justo reconhecer sua longa jornada: desde menino ouvindo o rádio em Gilmer, até senhor experiente escoltando as memórias e o legado de seu irmão, e se firmando como artista independente capaz de emocionar. Seu álbum My Brother’s Blues não é apenas uma homenagem — é um ato de afirmação: o blues como família, como história, como sentimento vivo.

Que possamos ouvir e revisitar esse trabalho, e valorizar o homem que, silencioso ou não, fez história, provando que, às vezes, fazer parte da base significa sustentar o edifício inteiro.


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