Houston Stackhouse: o guardião do blues do Delta

Houston Stackhouse: o guardião do blues do Delta



Entre as histórias contadas e esquecidas do blues do Delta, há nomes que se tornam monumentos e outros que permanecem como rios subterrâneos, alimentando a terra sem jamais receber o brilho do sol. Houston Stackhouse pertence a essa segunda linhagem. Guitarrista, cantor, mentor e companheiro de estrada de alguns dos gigantes do gênero, Stackhouse viveu como uma ponte viva entre o passado e o futuro do blues, mantendo-se fiel às suas raízes mesmo quando a modernidade chamava os músicos para as grandes cidades.

Infância e primeiros passos

Nascido em 28 de setembro de 1910, em Wesson, Mississippi, Houston Stackhouse cresceu em meio às plantações do Sul profundo. Ainda menino, descobriu os segredos da música não apenas no violão, mas também no violino, na harmônica e no mandolim. Foi um aprendiz voraz, moldado pelas gravações de Blind Lemon Jefferson, Lonnie Johnson e Blind Blake, que chegavam até ele como vislumbres de um mundo maior. Com o tempo, a guitarra tornou-se sua companheira inseparável, e dela Stackhouse extrairia um som rústico, cru e poderoso, fiel às origens do Delta.

O elo entre gerações

A carreira de Stackhouse floresceu nos anos 1930 e 1940, quando o blues já se espalhava pelos Estados Unidos, mas ainda mantinha suas raízes fincadas no Mississippi. Diferente de tantos músicos que migraram para Chicago em busca de oportunidades, Stackhouse permaneceu no Sul, tornando-se uma figura central na cena local. Foi mentor de nomes como Robert Nighthawk, Jimmy Rogers e Sammy Lawhorn, músicos que levariam o blues para palcos internacionais e discos lendários.

Essa função de elo invisível, de guardião das tradições e transmissor de saber, talvez seja sua maior marca. Stackhouse não buscava a glória, mas sua influência atravessou gerações, ecoando nos solos elétricos de Chicago e nas ruas de Helena, Arkansas, onde fez história.

King Biscuit Time e a voz do rádio

Em meados dos anos 1940, Houston Stackhouse mudou-se para Helena, Arkansas, e ali encontrou espaço no lendário programa King Biscuit Time, transmitido pela rádio KFFA. Embora não fosse a estrela principal — papel ocupado por Sonny Boy Williamson II — Stackhouse era presença constante, tocando guitarra e sustentando a espinha dorsal das apresentações. Foi nessa atmosfera, transmitida diariamente pelas ondas do rádio, que o blues deixou de ser apenas uma expressão local e passou a ecoar como uma voz coletiva do Sul.

As poucas gravações

Apesar de sua importância, as gravações de Houston Stackhouse são escassas. Ele nunca buscou os holofotes das gravadoras, preferindo o contato direto com o público. Ainda assim, registros preciosos sobreviveram. O disco Cryin’ Won’t Help You, gravado nos anos 1970, e as sessões divididas com Robert Nighthawk no álbum Masters of Modern Blues revelam sua força como guitarrista e cantor. Sua interpretação de canções tradicionais mostra um músico que preservava a alma do Delta em cada acorde.

Estilo e legado

Stackhouse não era apenas um guitarrista técnico, mas um contador de histórias. Sua música carregava a cadência da terra vermelha do Mississippi, o lamento das plantações e a esperança da comunidade negra que encontrava no blues uma forma de resistência. Tocava com simplicidade, mas também com uma intensidade que transformava o ordinário em algo quase sagrado.

Seus ensinamentos moldaram músicos que levariam o blues para multidões. Robert Nighthawk, seu parente e parceiro, foi talvez o mais célebre discípulo. Mas a influência de Stackhouse respinga também nos solos de Jimmy Rogers, que brilhou com Muddy Waters em Chicago, e em Sammy Lawhorn, que deixou sua marca no cenário do blues moderno.

Morte e reconhecimento tardio

Houston Stackhouse faleceu em 23 de setembro de 1980, em Helena, Arkansas, poucos dias antes de completar 70 anos. Sua morte passou quase despercebida fora dos círculos do blues, mas para aqueles que conheciam sua importância, foi como perder um guardião da memória. Décadas mais tarde, seu nome foi lembrado no Mississippi Blues Trail e também no Arkansas Blues and Heritage Festival, onde um palco acústico foi batizado em sua homenagem.

O blues subterrâneo

Hoje, quando falamos de Houston Stackhouse, falamos de um homem que preferiu permanecer próximo de sua gente, alimentando o blues como água que corre por baixo da terra. Ele não subiu ao pódio dos deuses, mas ajudou a erguer o templo. Sua vida é um lembrete de que o blues não se constrói apenas com nomes célebres e discos de sucesso, mas também com aqueles que mantêm a chama acesa, noite após noite, no calor dos juke joints e nas ondas das rádios locais.

Houston Stackhouse foi, e ainda é, um rio escondido do Delta — discreto, profundo e essencial.


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