Robert Nighthawk: o blues errante da guitarra em brasa
Robert Nighthawk: o blues errante da guitarra em brasa
Entre trilhos de trem, ruas poeirentas e rádios sintonizadas no coração do Sul dos Estados Unidos, nasceu o som errante de um homem que preferia deixar que sua guitarra falasse por ele. Seu nome de batismo era Robert Lee McCollum, mas o mundo do blues o conheceu sob outro nome — Robert Nighthawk, um andarilho sonoro que deslizou como relâmpago pelas frestas do tempo.
Do Arkansas para o mundo: um blues que atravessa gerações
Nascido em 30 de novembro de 1909, em Helena, Arkansas, Nighthawk cresceu imerso na tradição rural do blues do Delta. Ainda jovem, aprendeu os rudimentos do violão e da gaita, influenciado por seu primo Houston Stackhouse. No Mississipi, o garoto ouvia o lamento da terra, os gemidos das plantações, e transformava em música tudo aquilo que os homens não conseguiam dizer com palavras.
Adotando o nome artístico de Robert Lee McCoy, passou a viver nas estradas — Memphis, St. Louis, Cairo, Chicago — um ramblin' man em busca de palcos improvisados, estúdios generosos e ouvintes atentos. Era o blues em movimento, como o próprio trem noturno que inspiraria um de seus primeiros sucessos: "Prowling Night-Hawk".
A guitarra que chorava: o estilo inconfundível
Robert Nighthawk não precisava gritar para ser ouvido. Sua slide guitar elétrica tinha uma voz própria: melódica, arrastada, tão quente quanto o asfalto das ruas de Chicago no verão. Influenciado pelo estilo Delta, mas atento às transformações urbanas, ele foi um dos grandes responsáveis por transpor o blues acústico para o blues elétrico de Chicago.
Suas gravações para os selos Bluebird, Aristocrat, Chess, United e Decca capturaram essa transição com rara sensibilidade. Clássicos como "Sweet Black Angel", "Anna Lee" e "Crying Won’t Help You" revelam a precisão e a emoção de um guitarrista que sabia onde ferir — e onde curar.
Ao lado de nomes como Muddy Waters e Elmore James, Nighthawk ajudou a moldar o som que influenciaria gerações futuras. Não à toa, B.B. King o considerava um de seus mestres. Seu fraseado fluido, seus silêncios eloquentes e seu vibrato sutil foram lições que se espalharam por décadas de música afro-americana.
Rádio, esquinas e resistência
Nos anos 1940, Robert assumiu o microfone da rádio KFFA, em Helena, no mítico programa King Biscuit Time. Entre vinhetas e anúncios de farinha, o blues ecoava pelas casas de madeira e pelos campos de algodão. Era mais que música: era consolo, era rebeldia, era afirmação.
Mas a fama nunca seduziu Nighthawk por completo. Enquanto outros buscavam contratos e tournées, ele preferia a liberdade das ruas. Nos anos 60, foi redescoberto por caçadores de blues, tocando nas calçadas de Maxwell Street, em Chicago, onde ainda fazia sua guitarra chorar, como se o mundo tivesse parado nos anos 30.
Legado de um fantasma iluminado
Robert Nighthawk faleceu em 5 de novembro de 1967, após um ataque cardíaco em sua cidade natal. Sua morte foi silenciosa, mas seu legado, estrondoso. Entrou para o Blues Hall of Fame em 1983, e hoje seu nome está gravado em placas, discos, e corações.
Mais do que um músico, ele foi um espírito do blues: errante, generoso, apaixonado e resistente. Seus discos ainda circulam entre colecionadores e seus solos, entre músicos que buscam tocar a alma das notas.
O homem se foi. Mas o relâmpago do Nighthawk ainda brilha, entre chiados de vinil e noites quentes de verão, nos porões, nos bares, nas veias de quem ouve o blues não com os ouvidos, mas com o peito aberto.
Discografia essencial
- Prowling With The Nighthawk – coletânea de gravações históricas de 1937 a 1952
- Bricks in My Pillow – com faixas clássicas da fase Aristocrat e United
- Live on Maxwell Street 1964 – registro cru e visceral das ruas de Chicago
- Ramblin’ Bob – retrato sonoro de um bluesman em movimento
Última nota
Se um pássaro canta mesmo quando a floresta está em silêncio, Robert Nighthawk tocava mesmo quando o mundo não ouvia. Porque o blues, quando é verdadeiro, não pede permissão. Ele apenas vem — e fica.
Comentários
Postar um comentário