Hubert Sumlin: A Guitarra Que Rugia ao Lado de Howlin' Wolf

Hubert Sumlin: A Guitarra Que Rugia ao Lado de Howlin' Wolf



Hubert Sumlin foi mais do que um guitarrista de blues. Ele foi a força elétrica e emocional que traduziu em acordes o grito primal de Howlin’ Wolf. Seu estilo inconfundível, marcado por uma combinação de técnica crua, sensibilidade melódica e improvisação instintiva, moldou gerações inteiras de músicos. De Jimi Hendrix a Keith Richards, passando por Eric Clapton e Stevie Ray Vaughan, todos beberam da fonte viva que era Sumlin. Neste artigo, mergulhamos na trajetória desse gênio do blues elétrico, que passou da zona rural do Mississippi para os palcos do mundo, sem jamais perder sua essência visceral e apaixonada.

Raízes no Mississippi

Hubert Charles Sumlin nasceu em 16 de novembro de 1931, em Greenwood, Mississippi, um dos berços do blues norte-americano. Desde criança, cresceu rodeado pela sonoridade crua e emocional dos músicos locais. Ainda pequeno, mudou-se com a família para Hughes, Arkansas, onde teve seus primeiros contatos com a música através do rádio e das igrejas batistas da região.

Foi nesse ambiente fervilhante que Hubert começou a tocar violão por conta própria. Aos oito anos, construiu um instrumento rudimentar e, como muitos músicos da época, aprendeu ouvindo gravações de Charley Patton, Blind Lemon Jefferson e Son House. Ainda adolescente, teve a chance de conhecer um jovem cantor de voz rouca que se apresentava em bares e juke joints do sul: Chester Arthur Burnett, mais conhecido como Howlin’ Wolf. Esse encontro mudaria para sempre a vida de Hubert.

O Chamado do Lobo

Em meados dos anos 1950, Sumlin já tocava em pequenas bandas e acompanhava artistas itinerantes pelo sul dos Estados Unidos. Mas foi em 1954 que sua vida ganhou novo rumo. Howlin’ Wolf o convidou para se mudar para Chicago e integrar sua banda. O convite veio após o guitarrista Willie Johnson, antigo parceiro de Wolf, sair do grupo.

Chicago vivia então o auge do Chicago Blues, com nomes como Muddy Waters, Little Walter, Sonny Boy Williamson II e Otis Rush dominando a cena. Sumlin mergulhou nesse ambiente pulsante com personalidade e coragem. Sua guitarra logo chamou atenção por ser imprevisível e intensa — ao mesmo tempo rústica e sofisticada. Ao lado de Wolf, participou de gravações históricas para a Chess Records, incluindo clássicos como:

  • "Smokestack Lightning"
  • "Killing Floor"
  • "Spoonful"
  • "Back Door Man"
  • "Wang Dang Doodle" (com Koko Taylor)

Essas faixas se tornaram fundamentais para o blues e, mais tarde, para o nascimento do rock. Sumlin não apenas acompanhava Wolf — ele dialogava musicalmente com a fúria e a teatralidade do vocalista, criando uma simbiose única no gênero.

Estilo: O Blues da Alma

O estilo de Hubert Sumlin é uma aula de expressividade. Ao contrário de guitarristas técnicos que se prendem a escalas e padrões, Sumlin improvisava com o coração. Suas notas pareciam gritar, rir, sussurrar ou soluçar. Ele sabia como ninguém explorar o espaço entre as notas — o silêncio entre os ataques — fazendo da tensão uma aliada estética.

Seu uso do fingerpicking (dedilhado sem palheta), sua vibração natural e sua capacidade de criar licks memoráveis tornaram-no um ícone. Músicos do rock britânico ficaram fascinados com aquele som cru e direto. Keith Richards chegou a dizer que "sem Hubert Sumlin, não haveria Rolling Stones".

Ao longo das décadas, Sumlin refinou sua abordagem, incorporando nuances de jazz, funk e soul, mas nunca abandonando a essência do blues. Seu som era uma ponte entre o passado ancestral do Delta e o futuro elétrico do blues moderno.

A Vida Após o Lobo

Com a morte de Howlin’ Wolf em 1976, Hubert Sumlin seguiu carreira solo. Apesar das dificuldades iniciais, aos poucos construiu uma discografia respeitável, tocando com músicos mais jovens e sendo reverenciado por artistas consagrados. Seus álbuns solo destacam a maturidade de um guitarrista que aprendeu com os melhores e se tornou referência para todos.



Entre seus trabalhos mais notáveis estão:

  • "Hubert Sumlin's Blues Party" (1980) – Um disco vibrante, com participações de Carey Bell e outras lendas do blues.
  • "Healing Feeling" (1990) – Uma combinação de sentimento e sofisticação, em que Hubert mostra sua alma em cada faixa.
  • "I Know You" (1998) – Um disco pessoal e emocional, com participações de Ronnie Earl, Bob Margolin e Levon Helm.
  • "About Them Shoes" (2004) – Produzido por John Snyder, traz participações luxuosas de Keith Richards, Eric Clapton e Levon Helm. É uma ode à sua própria história com Wolf e ao legado do blues de Chicago.

Reconhecimento e Legado

Hubert Sumlin não ganhou todos os prêmios que merecia em vida, mas sua importância para o blues e para a música mundial foi amplamente reconhecida por seus pares. Em 2008, foi indicado ao Blues Hall of Fame. Recebeu diversas indicações ao Grammy e ao W.C. Handy Award (hoje conhecido como Blues Music Award).

Seu legado, no entanto, vai além dos troféus. Hubert foi um elo vivo entre as raízes e a modernidade. Sua contribuição pode ser ouvida em bandas como Rolling Stones, Led Zeppelin, Cream, e até no trabalho de artistas contemporâneos como Derek Trucks, Gary Clark Jr. e Christone "Kingfish" Ingram.

Em entrevista, Jimmy Page afirmou que a primeira vez que ouviu "Killing Floor" com a guitarra de Sumlin, sentiu como se tivesse levado um soco no peito. Era esse tipo de impacto que Hubert provocava — direto, real e eterno.

Últimos Anos e Despedida

Mesmo enfrentando problemas de saúde nos anos 2000, incluindo cirurgias no coração e dificuldades respiratórias, Sumlin continuou se apresentando e gravando. Em seus últimos anos, tornou-se uma figura lendária nos festivais de blues, sempre recebido com reverência.

Faleceu em 4 de dezembro de 2011, aos 80 anos, em Wayne, Nova Jersey, deixando um vazio na música, mas também um acervo artístico impossível de apagar. O funeral foi pago por Mick Jagger e Keith Richards, como forma de agradecimento e homenagem. Um gesto simbólico que reconheceu o impacto imensurável de Hubert Sumlin na história do rock e do blues.

Influência Eterna

Hubert Sumlin permanece vivo em cada acorde distorcido, em cada solo sincopado, em cada músico que escolhe sentir antes de mostrar técnica. Ele era o tipo de artista que nos lembra de que o blues é, acima de tudo, verdade.

Seu som era a trilha sonora de uma América que mudava — da segregação ao reconhecimento global. Seu dedilhado era puro feeling. Sua carreira, um tributo à persistência e à paixão. E seu nome, uma assinatura definitiva na história do blues elétrico.

Hoje, ao ouvirmos clássicos como Smokestack Lightning ou Spoonful, é impossível não notar aquela guitarra cortante, por vezes trêmula, por vezes feroz, mas sempre cheia de alma. Era Hubert Sumlin dizendo ao mundo que, mesmo nas entrelinhas da dor, havia beleza. E que o blues, quando bem tocado, fala diretamente ao coração.

Discografia Selecionada

  • Hubert Sumlin's Blues Party (1980)
  • Healing Feeling (1990)
  • I Know You (1998)
  • About Them Shoes (2004)
  • Treblemaker (2007)

Todo Dia Um Blues é um tributo diário a esses mestres. E Hubert Sumlin é daqueles que merecem ser lembrados todos os dias — com o volume no máximo.

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