Mighty Sam McClain: o grito da alma no soul e no blues

Mighty Sam McClain: o grito da alma no soul e no blues



No dia 15 de junho de 2015, o blues e o soul perderam uma de suas vozes mais intensas e comoventes. Mighty Sam McClain partiu aos 72 anos, deixando um legado construído com suor, sofrimento, fé e redenção. Seu timbre poderoso, profundo como o Mississippi e límpido como um hino, ecoa até hoje nas gravações que preservam sua alma generosa e lutadora.

A origem humilde e o canto da dor

Nascido Samuel McClain em 1943, na pequena Monroe, Louisiana, ele cresceu entre hinos evangélicos e dificuldades domésticas. Aos cinco anos, já cantava na igreja. Aos 13, fugiu de casa para escapar de um padrasto abusivo. Logo se tornaria vocalista da banda de Little Melvin Underwood, começando assim uma longa trajetória pela estrada do rhythm and blues sulista.

Em 1966, sua versão de "Sweet Dreams" (clássico de Patsy Cline) alcançou sucesso relativo e o levou ao lendário Apollo Theater, em Nova York. Mas o caminho até a consagração foi tudo, menos fácil. Durante anos, enfrentou o abandono da indústria, dependência química, falta de moradia e chegou a dormir na rua, sobrevivendo da venda de plasma humano.



Um renascimento chamado Give It Up To Love

A virada veio nos anos 1990. McClain se mudou para a Nova Inglaterra e encontrou abrigo musical no selo AudioQuest Music, que lhe proporcionou um renascimento artístico. Em 1993, lançou o álbum que se tornaria sua obra-prima: Give It Up To Love.

Com uma produção refinada e um repertório emocionalmente devastador, o disco é considerado um dos grandes marcos do soul blues contemporâneo. A voz de McClain está em sua melhor forma — madura, pungente, espiritual. Entre as faixas, se destacam:

  • “Too Proud”
  • “What You Want Me To Do”
  • “I’m Tired of This Blues”
  • “Love Me If You Want To”

Cada canção é um mergulho profundo em temas como dor, amor, abandono e esperança. Mas não há sentimentalismo raso. Há, sim, uma entrega total – algo que McClain sempre fez questão de manter em sua música: a verdade.

Colaborações, ativismo e reconhecimento internacional

Nos anos seguintes, Sam McClain continuou a lançar álbuns elogiados como Keep On Movin’, Journey, Joy & Pain – Live in Europe e Blues for the Soul. Ele também se destacou como um artista engajado, especialmente na luta contra a pobreza e a falta de moradia. Em 2008, participou do projeto “Give Us Your Poor”, onde gravou a comovente “Show Me the Way” ao lado de Jon Bon Jovi.

Outro projeto marcante foi a colaboração internacional com a cantora iraniana Mahsa Vahdat no disco Scent of Reunion: Love Duets Across Civilizations, que levou seu som a novas plateias na Europa e no Oriente Médio. Em 2012, lançou Too Much Jesus (Not Enough Whiskey), onde abordou com franqueza os conflitos entre fé, vícios e sobrevivência — temas que sempre fizeram parte de sua jornada pessoal e artística.

Uma alma maior que o blues

Mighty Sam McClain não foi apenas um cantor de blues ou soul. Ele foi um sobrevivente, um mensageiro da esperança e da resistência. Mesmo quando tudo parecia perdido, manteve a fé e encontrou na música não apenas um refúgio, mas um caminho de redenção.

No dia 15 de junho, dez anos após sua morte, o que fica é a lembrança de uma voz inesquecível — e de um coração que nunca deixou de acreditar no poder do amor, da música e da dignidade humana.


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