Quando Gigantes se Encontram: Duke Robillard & Ronnie Earl em The Duke Meets the Earl
Quando Gigantes se Encontram: Duke Robillard & Ronnie Earl em The Duke Meets the Earl
Em um universo onde o blues é tão vasto quanto o delta do Mississippi, encontros verdadeiramente memoráveis são raros — mas quando acontecem, viram marcos. É o caso de The Duke Meets the Earl, álbum lançado em 2005 pela Stony Plain Records, que reuniu dois dos maiores guitarristas de blues contemporâneos: Duke Robillard e Ronnie Earl. Mais que um registro de colaborações, o disco é um diálogo entre estilos, personalidades e histórias que se entrelaçam no fio azul da música de raiz.
Os Caminhos que se Cruzam
Duke Robillard e Ronnie Earl não são estranhos entre si. Ambos passaram pela lendária banda Roomful of Blues, onde deixaram marcas profundas em décadas diferentes. Robillard, cofundador da banda em 1967, trouxe uma abordagem vintage, apaixonada por jump blues, swing e o som dos anos 40 e 50. Já Ronnie Earl chegou ao grupo nos anos 80, trazendo uma carga emocional intensa, marcada por solos líricos e um respeito absoluto pela melodia.
Essa conexão histórica entre os dois guitarristas já prenunciava que o encontro seria natural. E quando finalmente se reuniram em estúdio, o resultado foi um tributo não só ao blues, mas à irmandade musical que transcende o tempo.
The Duke Meets the Earl: Um Diálogo em Blues
O álbum traz uma seleção de faixas que parecem cuidadosamente escolhidas para evidenciar as virtudes de cada guitarrista. O som é cru, quente, direto da alma — gravado quase todo ao vivo no estúdio, com mínima interferência. Robillard e Earl não competem entre si; eles se escutam, se respeitam, se complementam.
Em faixas como “My Tears”, Ronnie Earl brilha com seu fraseado emocional e fluido, enquanto Duke mantém a base firme, criando uma conversa musical comovente. A poderosa “A Soul That's Been Abused”, original de Robillard, mostra o lado mais sombrio e intenso do blues, com solos que parecem gritar de dentro da alma. Já em “Two Bones and a Pick”, clássico de T-Bone Walker, os dois reverenciam o mestre com classe e swing, entregando uma interpretação cheia de energia e respeito às raízes. A instrumental “West Side Shuffle” é puro groove de Chicago, com os dois guitarristas se revezando em solos carregados de emoção e técnica. Destaco ainda a belíssima “...I Need You So Bad”, que mergulha o ouvinte num slow blues hipnótico, onde cada nota parece suspensa no tempo.
Dois Estilos, Um Amor
Duke Robillard é o guitarrista do tom vintage, apaixonado pelos sons de T-Bone Walker, Charlie Christian e pela era de ouro do R&B. Seu fraseado é direto, energético, dançante — ele toca como quem está sempre sorrindo. Já Ronnie Earl é introspectivo, contemplativo, dono de uma espiritualidade profunda na forma de tocar. Ele bebe da fonte de Otis Rush, Magic Sam, Peter Green, e do jazz modal de Coltrane.
Quando se escuta The Duke Meets the Earl, entende-se que o blues é um idioma com muitos sotaques. Robillard fala com a cadência das big bands e dos clubes dançantes dos anos 50. Earl, por sua vez, fala como quem reza no escuro, olhos fechados, sentindo cada nota como uma lágrima.
Uma Aula de Respeito
Além da qualidade musical, The Duke Meets the Earl é um lembrete poderoso de como o blues é, antes de tudo, sobre respeito — à tradição, aos mestres, ao parceiro musical. Nada de duelos ou egos inflados. O que se ouve é troca, é entrega, é generosidade.
O álbum não foi feito para impressionar, mas para tocar — no melhor sentido da palavra. E é exatamente isso que faz dele uma obra-prima para os apreciadores do blues de verdade.
O Legado
Tanto Duke Robillard quanto Ronnie Earl seguiram com carreiras sólidas depois desse disco. Robillard segue ativo, lançando álbuns cheios de classe e colaborando com artistas diversos. Ronnie Earl continua com os Broadcasters, mantendo viva sua tradição de slow blues espirituais e profundos. Mas The Duke Meets the Earl permanece como um ponto alto na discografia de ambos — uma celebração do encontro, da escuta e do amor ao blues.
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