RMB: Blues Rock com alma e sangue novo

RMB: Blues Rock com alma e sangue novo



Além dos clássicos estamos sempre atrás de novidades, e é nessa busca que às vezes se encontra uma música que atravessa o ruído cotidiano e insiste em ficar. O trabalho do trio RMB — formado por Randell (voz e guitarra), José (baixo) e Soto (bateria) — é uma dessas gratas surpresas: um som de pulso rítmico, alma em pedaços e certa urgência moderna que conversa com a tradição do blues sem se curvar a fórmulas gastas.

Quem são e de onde vem o som

RMB surge como um trio de raízes simples: amigos que tocaram juntos em noites de open mic, encontraram afinidade e decidiram transformar a intimidade de pequenos palcos em projeto sério. O nome, que remete ao espírito do grupo — uma sigla que muitos interpretam como “Rocking Mostly Blues” — anuncia desde o primeiro acorde uma atitude honesta: o blues como motor, o rock como força e a liberdade de buscar outras cores sonoras quando necessário.

Na formação enxuta — Randell na voz e na guitarra, José no baixo e Soto na bateria — o trio constrói um som direto, sem rodeios. A guitarra conversa com o canto, o baixo segura as margens e a bateria empresta a velocidade de um coração que não cansa de bater. É exatamente nessa economia de elementos que reside a força: cada silêncio e cada preenchimento têm propósito.

Sober Soul: estreia com vontade

O álbum de estreia Sober Soul apresenta uma coleção de faixas que transitam entre o blues encharcado de sentimento e o rock de frase curta, muitas vezes pontuado por grooves que lembram soul e toques latinos. Há no disco uma aposta clara: escrever canções que envelheçam bem e que funcionem tanto em um bar quase vazio quanto num ouvido que busca intimidade. Sober Soul não é um exercício de revival; é um trabalho de convivência com a tradição a partir do presente.

Ao longo do disco, o trio alterna momentos de arrastamento melancólico com explosões de intensidade. As letras, em geral, falam daquelas feridas ordinárias — traição, cansaço, desejo, pequenas celebrações de redenção — e o fazem sem lirismo gratuito: direto ao ponto, quase jornalístico em sua economia, mas sempre próximo da dor humana.

Nowheresville: single que aponta caminhos

O single mais recente, "Nowheresville", funciona como uma espécie de cartão de visitas do trio para o público atual. A canção traz um arranjo enxuto, refrão marcante e uma narrativa que se desenha com imagens de ruas vazias, quartos de motel e rotas de fuga que não levam a lugar nenhum — mas que, ironicamente, revelam quem a gente é quando não há mais plateia. É música feita para ser cantada dentro do carro, no late-night depois de um show, ou arrastada para cima do palco por mãos suadas e corações prontos para o contato.

Nowheresville evidencia a capacidade do trio de compor com foco: frase curta, riff memorável e um balanço rítmico que mantém a canção respirando. Além disso, o single sugere que RMB está atento aos tempos — sem abrir mão do passado, mas sem refrear a pulsão por novidades.

O lugar do trio no cenário atual

Vivemos uma era em que o acesso expandido à música permite que obras pequenas encontrem públicos leais sem precisar passar pela maquinaria pesada das grandes gravadoras. RMB parece entender e viver esse momento: uma banda de palco, de mão suada e boca inquieta, que usa as plataformas disponíveis para divulgar um trabalho que, apesar de íntimo, tem ambição sonora.

O fato de não haver — ainda — vasto material crítico sobre o trio em veículos tradicionais não diminui sua relevância; ao contrário, reforça a ideia de que existem becos de música fervilhante onde descobertas ainda são possíveis. O trio é a prova de que o novo pode ser sério, e que a ausência de holofotes não compromete a qualidade.

Interpretações e coloração musical

O que chama atenção em RMB é a habilidade de colorir o blues com texturas diversas. Há momentos em que a guitarra rasga um fraseado que remete aos velhos mestres, e há outros em que o baixo provoca grooves quase funk. Soto, na bateria, alterna entre o compasso telegrafado do blues e respirações percussivas que lembram ritmos latinos — uma mistura que evita pastiche e soa orgânica.

As letras, por sua vez, oscilam entre o confessionário e o relato quase cinematográfico: personagens que se movem em cidades que parecem tanto reais quanto simbólicas. Essa ambivalência dá ao trio um campo fértil para interpretações — e convida o ouvinte a revisitar as canções, pois novos detalhes surgem a cada audição.

Por que prestar atenção

Se você é leitor assíduo de Todo Dia Um Blues, sabe que nossa busca não é por novidades por si só, mas por obras que dialoguem com o espírito do blues — aquela honestidade crua que não pede licença. RMB entra nesse rol porque, além dos clássicos, estamos sempre atrás de novidades, e o trabalho do trio é uma grata surpresa: respeita a tradição, questiona velhos lugares comuns e produz canções com personalidade.

Ouvir Sober Soul ou o single Nowheresville é se permitir um encontro com um blues que respira hoje — e que, por isso mesmo, pode nos ensinar algo sobre o presente.

Recomendações de escuta

Para apreciar RMB em sua plenitude, comece pelo single Nowheresville e depois passe para Sober Soul. Atenção aos detalhes: as linhas de baixo que sustentam refrãos aparentemente simples; as pausas na guitarra que dizem tanto quanto os acordes; e as letras que, por vezes, entregam versos que grudam como refrões furtivos.

Procure ouvir em fones, em silêncio, e depois em volume alto, no carro, com as janelas abertas — duas experiências distintas que, combinadas, revelam camadas diferentes do trio.

Conclusão

RMB não surge como um fenómeno instantâneo. É, antes, uma descoberta que cresce em ouvido atento. Sober Soul e o single Nowheresville não prometem revoluções grandiosas — oferecem, sim, pequenas revelações: frases que queimam devagar, grooves que seguram o corpo e letras que tocam a pele. É essa mistura de tradição e inquietação que nos faz dizer: vale a pena acompanhar.


© Todo Dia Um Blues 


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