O som do pântano de Lonesome Sundown
O som do pântano de Lonesome Sundown
Há artistas que carregam no nome a própria sina. Lonesome Sundown — nascido Cornelius Green, em 12 de dezembro de 1928, no coração da Louisiana — foi um desses músicos cujo destino sempre caminhou entre sombras, águas turvas e a poesia silenciosa do pântano. Seu blues não gritava: sussurrava. Não rasgava: fermentava. E, justamente por isso, tornou-se um dos pilares do chamado swamp blues, aquela vertente úmida, lenta e carregada de melancolia que só poderia florescer nas margens do Mississippi.
Das raízes da Louisiana ao chamado do blues
Antes de ser Lonesome Sundown, Cornelius Green cresceu em meio a plantações, trabalho duro e noites povoadas por rádios distantes. Começou na guitarra ainda jovem, inspirado por nomes que marcariam sua vida: Lightnin’ Hopkins, Muddy Waters, John Lee Hooker. Mas havia nele algo diferente — um pulso mais arrastado, uma tristeza mais funda, como se cada acorde viesse de um canto esquecido do mapa.
Durante os anos 1950, depois de trabalhar como lavrador e operário, mudou-se para Baton Rouge. Lá, o blues não era apenas música: era sobrevivência. E uma das portas que se abriram para seu destino tinha o nome certo — Excello Records, o selo que lapidou o som pantanoso da Louisiana e que daria ao guitarrista seu lugar na história.
A era Excello: o pântano ganha voz
Entre meados dos anos 1950 e o início dos anos 1960, Lonesome Sundown gravou suas obras mais emblemáticas. Produzido por Jay Miller, mergulhou de cabeça na estética que o tornaria diferente: ritmos lentos, guitarras enxutas, voz grave e resignada, letras que falavam de abandono, chuvas intermináveis, amores condenados e estradas que nunca levam ao amanhecer.
Entre seus clássicos, brilham — ainda que em luz fraca, como lamparinas no breu — músicas como “Gonna Stick to You Baby”, “I’m a Samplin’ Man”, “My Home Is a Prison” e a angustiante “Lonesome Whistler”. Cada faixa parece carregada de névoa, como se a própria natureza conspirasse para tornar seu blues mais pesado, mais lento, mais humano.
Seu estilo se tornou referência para músicos do sul, especialmente aqueles que buscavam uma identidade sonora distante do blues urbano de Chicago. Lonesome Sundown não precisava de velocidade nem virtuosismo: a força de sua música estava no silêncio entre as notas — naquilo que só se escuta quando se está profundamente só.
O retiro espiritual e o longo silêncio
Nos anos 1960, enquanto muitos artistas buscavam expansão, Sundown seguiu na direção contrária. Converteu-se, passou a frequentar a Igreja Adventista do Sétimo Dia e abandonou a carreira musical. Por quase duas décadas, seu nome se tornou lembrança, eco distante, memória guardada apenas por colecionadores e devotos do swamp blues.
Essa ausência, porém, só fortaleceu sua mitologia. Lonesome Sundown tornou-se o artista que evaporou — como a neblina da manhã que some antes que o sol chegue.
O retorno breve e o adeus
Na década de 1970, voltou timidamente à música, lançando um álbum tardio, mas intenso: uma prova de que seu blues permanecia intacto, ainda sombrio, ainda lento, ainda capaz de carregar a dor de uma vida inteira. Não era mais o jovem das gravações da Excello, mas seu timbre, mais pesado, soava como se o mundo tivesse dobrado sobre seus ombros.
Lonesome Sundown faleceu em 23 de abril de 1995, deixando para trás uma discografia pequena, porém profunda. Seu legado não se mede em números: mede-se em sensações. Em sua capacidade de transformar angústia em paisagem sonora, solidão em poesia, silêncio em blues.
O peso da melancolia: por que ele ainda importa
Em um universo repleto de guitarristas rápidos, Sundown é o mestre da lentidão. Em um mundo que valoriza o brilho, ele representa a sombra. Seu blues é feito de lama, chuva fina, vento úmido e noites longas — e talvez seja justamente isso que o torna eterno.
Seus discos continuam sendo estudados, revisitados e amados por quem busca o verdadeiro espírito do swamp blues. Nesse território, Lonesome Sundown não é apenas um nome da história: é um marco geográfico. Um farol apagado, mas ainda guiando os navegantes perdidos do blues.
Conclusão: o homem que transformou o pântano em música
Lonesome Sundown fez do blues uma extensão da alma e do pântano. Sua arte permanece viva porque transcende técnica: fala de humanidade, de abandono, de resiliência silenciosa. Suas canções — tristes, densas e hipnóticas — continuam a tocar fundo, lembrando que o blues mais verdadeiro nasce sempre daquilo que não conseguimos dizer.
© Todo Dia Um Blues

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