J.B. Hutto: o slide que incendiou Chicago
J.B. Hutto: o slide que incendiou Chicago
Poucos guitarristas na história do blues conseguiram transformar eletricidade em emoção bruta como J.B. Hutto. Nascido em 26 de abril de 1926, em Blackville, Carolina do Sul, Theodore Roosevelt “J.B.” Hutto cresceu entre cânticos religiosos, trabalhos pesados e aquilo que mais tarde definiria sua estética: um grito musical que ecoava tanto a dor quanto a celebração.
A infância sulista e a migração para Chicago
J.B. era o quinto de sete irmãos. A música corria na família, e logo cedo ele começou a cantar em grupos gospel ao lado dos irmãos. Quando a família se mudou para Augusta, Geórgia, Hutto descobriu não apenas o violão, mas também um lado performático que carregaria por toda a vida.
A virada definitiva veio com a mudança para Chicago no início dos anos 1940, acompanhando o fluxo de milhares de famílias negras em busca de trabalho e dignidade. Como muitos, Hutto passou primeiro por empregos pesados: lavador de janelas, trabalhador em fábricas, serviços gerais. Mas Chicago tinha seu próprio magnetismo — o blues eletrificado pulsava nos bares, nas esquinas e nos pequenos clubes da West e South Side.
Foi ali que J.B. encontrou o slide, a linguagem que o faria eterno. Inspirado por Elmore James, mas nunca subordinado a ele, Hutto lapidou um estilo feroz: guitarra alta, vibrante, ardida, com ataques rápidos, vocais rasgados e presença de palco que os críticos mais tarde descreveriam como “volcânica”.
Os Hawks e o nascimento de uma lenda
Em 1954, Hutto formou sua banda definitiva: J.B. Hutto & The Hawks. O grupo se tornou um dos mais intensos da cena de Chicago, com apresentações incendiárias que chamavam atenção até mesmo dos músicos veteranos.
A Delmark Records percebeu. Em meados dos anos 60, a gravadora — sempre atenta às novas vozes do blues urbano — equipou Hutto com todo o suporte necessário para registrar sua obra-prima.
“Hawk Squat!” (1968): um disco monumental
Lançado em 1968, “Hawk Squat!” é hoje considerado não apenas o melhor álbum da carreira de Hutto, mas um dos pilares do blues elétrico moderno. O disco é um retrato cru do estilo inconfundível do guitarrista, e conta com a participação luxuosa do lendário Sunnyland Slim no órgão, que adiciona camadas de profundidade e melancolia às faixas.
Críticos ao longo das décadas reforçaram o impacto do álbum. Muitas resenhas destacam sua “urgência emocional” e o “ataque de slide tão cortante quanto uma sirene urbana”. Para alguns, este é o registro que melhor representa Chicago no auge do blues de pós-guerra — visceral, forte, sem amarras.
“Hawk Squat!” permanece como obra de referência: uma aula de tensão, ritmo e entrega absoluta. Se alguém deseja entender quem foi J.B. Hutto, este é o caminho.
Reconhecimento tardio, influência eterna
Apesar de ser respeitado entre músicos e aficionados, Hutto nunca recebeu o reconhecimento comercial merecido. Ainda assim, sua importância cresceu com o tempo. Seu estilo influenciou artistas como Sonny Boy Williamson II, Hound Dog Taylor, Frank Frost, Lil’ Ed Williams e toda uma geração de guitarristas dedicados ao slide feroz e expressivo.
Em 1983, pouco tempo antes de sua morte, Hutto foi introduzido no Blues Hall of Fame — uma honra que confirmou aquilo que os clubes de Chicago já sabiam havia décadas: ele era parte essencial da espinha dorsal do blues elétrico.
Despedida de um gigante
J.B. Hutto faleceu em 12 de junho de 1983, em Harvey, Illinois. Morreu jovem para os padrões de hoje, aos 57 anos, carregando consigo a sinceridade de quem tocava blues como quem respira.
A morte encerrou seu percurso físico, mas não sua vibração. Seu som segue vivo nos bares, nos palcos e nas coletâneas que continuam apresentando sua música a novas gerações. J.B. Hutto deixou uma discografia que pulsa, um legado que ecoa e um exemplo raro: o de um artista que jamais diluiu sua verdade.
Se o blues é uma conversa direta entre alma e guitarra, poucos falaram tão alto, tão rouco e tão verdadeiro quanto ele.
© Todo Dia Um Blues


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