Cousin Joe: o piano e o blues como uma conversa íntima
Cousin Joe: o piano e o blues como uma conversa íntima
Cousin Joe, nascido Pleasant Joseph, foi um daqueles artistas que carregaram a alma de New Orleans no bolso do paletó e a espalharam pelo mundo em cada acorde. Cantor, pianista e contador de histórias, ele atravessou décadas mantendo vivo um blues que sorria, ironizava a própria dor e convidava o ouvinte a sentar mais perto do palco.
Raízes na Louisiana
Nascido em 20 de dezembro de 1907, na pequena Wallace, Louisiana, Pleasant Joseph cresceu entre o canto da igreja e os sons da rua. Ainda jovem, mudou-se para New Orleans, onde a música não era apenas entretenimento, mas linguagem cotidiana. Foi ali que ele aprendeu que o blues podia ser confissão, piada, crônica social e celebração ao mesmo tempo.
Antes do piano dominar sua identidade, Cousin Joe cantava e tocava instrumentos de corda, absorvendo o espírito dos salões, dos bares e dos barcos que cruzavam o Mississippi. Quando se sentou definitivamente ao teclado, encontrou sua voz definitiva: um piano rítmico, falado, quase teatral.
Carreira entre o blues e o jazz
Nos anos 1930 e 1940, Cousin Joe já era uma figura conhecida no circuito musical. Sua carreira ganhou projeção quando passou a gravar e se apresentar ao lado de músicos ligados ao jazz tradicional, sem jamais abandonar o blues. Seu estilo vocal era direto, cheio de humor e humanidade, e fazia cada canção soar como uma conversa íntima.
Ele não cantava para impressionar; cantava para envolver. Essa postura o levou a dividir estúdios e palcos com nomes importantes da música afro-americana, especialmente durante a retomada do interesse europeu pelo blues nos anos 1960 e 1970.
Turnês e reconhecimento tardio
Como muitos artistas de sua geração, Cousin Joe encontrou reconhecimento mais amplo fora dos Estados Unidos. A Europa, especialmente a França, recebeu seu trabalho com atenção e respeito. Festivais, clubes e sessões de estúdio abriram espaço para que ele registrasse uma fase madura de sua carreira, marcada por segurança artística e liberdade criativa.
Foi nesse contexto que nasceu um de seus discos mais importantes.
Bad Luck Blues: um retrato em estúdio
Bad Luck Blues é um dos grandes registros tardios de Cousin Joe. O álbum foi gravado em 1971, durante uma passagem pela França, no Studio Condorcet, em Toulouse. Longe de casa, mas cercado por músicos afiados, ele registrou um disco que soa íntimo, espontâneo e profundamente enraizado no blues.
A formação reunida para a gravação é um verdadeiro encontro de estilos:
- Cousin Joe – vocal e piano
- Clarence “Gatemouth” Brown – guitarra
- Jimmy Dawkins – guitarra
- Mac Thompson – baixo
- Ted Harvey – bateria
O resultado é um álbum direto, onde o piano conduz, a voz comenta a vida e as guitarras costuram o clima entre o blues de Chicago e o balanço de New Orleans. As canções falam de azar, de estradas sem volta, de amores gastos pelo tempo — tudo com leveza, ironia e verdade.
Estilo e identidade
Cousin Joe nunca foi um cantor de lamentos excessivos. Seu blues sorria, piscava o olho, brincava com a própria tragédia. Ele transformava o cotidiano em música e fazia do palco um espaço de convivência.
Seu piano era mais falado do que exibido, mais rítmico do que virtuoso, e exatamente por isso tão humano. Cada apresentação parecia improvisada, mesmo quando a canção já vinha sendo tocada há décadas.
Últimos anos e despedida
Cousin Joe seguiu se apresentando enquanto pôde, sempre ligado ao circuito que valorizava o blues tradicional. Faleceu em 2 de outubro de 1989, em New Orleans, encerrando uma trajetória que atravessou grande parte do século XX sem perder o contato com suas origens.
Seu legado permanece nos discos, nas gravações ao vivo e na memória de quem entende o blues como conversa franca — às vezes triste, às vezes engraçada, mas sempre verdadeira.
Cousin Joe não tentou modernizar o blues. Ele apenas continuou contando histórias, como sempre fez, sentado ao piano, deixando que a música falasse primeiro.


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