Blind Blake: fez seu violão soar como um piano
Blind Blake: fez seu violão soar como um piano
Há nomes no blues que parecem sussurros, ecos distantes vindos de uma era em que a música ainda tropeçava na poeira das estradas, procurando forma e destino. Entre esses ecos, poucos soam tão vivos quanto o de Blind Blake, o mestre absoluto do ragtime guitar, o homem que fez o violão falar como um piano e que moldou, sem saber, os caminhos que o blues tomaria para sempre.
Os passos iniciais de um fantasma do ragtime
Blind Blake nasceu como Arthur Blake, provavelmente em 1896, e como boa parte dos pioneiros do blues, seu passado é envolto em névoa. Pouco se sabe sobre seus primeiros anos de vida, e o que chegou até nós veio por fragmentos, depoimentos soltos e a força de sua música. Há indícios de que tenha vivido parte da infância entre a Flórida e a Geórgia, absorvendo ritmos costeiros, ecos das ruas, conversas de bar, sons de spirituals e do início do jazz.
Do mistério ele fez identidade. Do silêncio, alimento. E do violão, uma língua própria.
A ascensão meteórica: quando o violão virou piano
Blind Blake entrou para a história quando começou a gravar para a Paramount Records, em 1926. Foi ali que o mundo ouviu pela primeira vez a sua técnica que parecia impossível: dedos percorrendo as cordas com velocidade e precisão sobre-humanas, criando linhas melódicas duplas, contraponto, síncopes e balanço que muitos comparavam diretamente ao piano ragtime.
Não era exagero. Blind Blake tocava como quem digitava o mundo. Como quem decifrava o futuro.
Sua discografia, espalhada entre sessões intensas e prolíficas, é repleta de clássicos como “West Coast Blues”, “Diddie Wa Diddie”, “Police Dog Blues” e tantas outras peças que hoje são pilares para qualquer guitarrista de blues tradicional.
A originalidade de Blake estava não apenas na velocidade, mas no swing inabalável, na elegância, no charme. Ele fazia o difícil soar leve, fazia o complexo soar simples, fazia o impossível soar natural.
O poeta da pulsação: estilo, impacto e legado
Blind Blake ajudou a definir o que mais tarde seria chamado de East Coast Blues. Seu estilo, repleto de elementos do ragtime, do jazz e de uma musicalidade de rua que poucos dominavam, abriu portas para gerações inteiras de músicos.
Guitarristas como Reverend Gary Davis, Blind Boy Fuller, Big Bill Broonzy e muitos outros beberam diretamente da fonte que ele abriu. Seu trabalho influenciou desde os primeiros bluesmen urbanos até artistas modernos que revisitam suas gravações como quem encontra um mapa antigo — precioso e revelador.
Hoje, Blind Blake é lembrado como um dos maiores guitarristas acústicos da história da música americana, uma figura incontornável e eterna.
O desaparecimento e a morte envolta em sombras
A vida de Blind Blake foi intensa, mas curta. Após anos gravando em ritmo acelerado, sua saúde começou a declinar no início dos anos 1930. Seu estilo exigia precisão, força e velocidade — atributos difíceis de manter quando a vida cobra o peso do mundo.
Sua última sessão de gravação conhecida data de 1932, e pouco depois ele desapareceu dos estúdios, das ruas e dos registros formais. Durante décadas, sua morte foi motivo de especulação, rumores e histórias contraditórias.
Somente muito mais tarde descobriu-se que Blind Blake morreu em 1º de dezembro de 1934, em Milwaukee, aos 38 anos. Uma vida breve, interrompida cedo demais, mas que deixou rastros suficientes para atravessar gerações.
Entre o mito e o humano
Blind Blake é desses personagens que parecem maiores que a própria vida. Parte mito, parte sombra, parte carne e osso. Ele é o músico que tocava como se estivesse sempre um passo à frente do tempo — e talvez por isso tenha desaparecido tão cedo dos palcos do mundo.
No entanto, sua música não desapareceu. Permanece viva, dançando com quem ousa ouvi-la com atenção, provocando um sorriso, um espanto, uma reverência silenciosa. Cada nota sua lembra que o blues nasceu para sobreviver aos seus criadores, ecoando como uma prece, como um mistério, como uma festa íntima entre o músico e o instrumento.
Blind Blake viveu pouco. Mas deixou muito. E continua tocando — bem aqui, dentro da gente. Aumente o som das caixinhas e vamos aos blues!
© Todo Dia Um Blues

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