Andrew “Big Voice” Odom: de Chicago ao Brasil
Andrew “Big Voice” Odom: de Chicago ao Brasil
Nascido em 16 de abril de 1936, em Denham Springs, na Louisiana, Andrew “Big Voice” Odom pertence à linhagem de cantores que não precisavam gritar para serem ouvidos — bastava abrir a boca. Sua voz era larga, profunda, carregada de dor, fé e sobrevivência. Um canto moldado pela igreja, lapidado nas ruas e consolidado nos palcos esfumaçados do blues elétrico de Chicago.
Celebrar o nascimento de Andrew Odom é revisitar uma trajetória que correu paralela aos grandes nomes do gênero, muitas vezes à sombra deles, mas sempre deixando marcas profundas em cada gravação em que sua voz apareceu.
Da igreja da Louisiana às ruas do blues
Como tantos cantores do blues, Andrew Odom começou cantando em igrejas. Foi ali que aprendeu a controlar o fôlego, a sustentar notas longas e a transformar emoção em som. Ainda jovem, deixou a Louisiana e seguiu o caminho clássico da migração negra rumo ao norte, estabelecendo-se em East St. Louis.
Na região, entrou em contato direto com o circuito do blues elétrico e passou a conviver com músicos que moldariam sua carreira. A força de sua voz logo chamou atenção. Não era apenas potência: havia melodia, drama e uma entrega quase física em cada verso.
Chicago blues e o apelido “Big Voice”
No início dos anos 1960, Andrew Odom mudou-se para Chicago, o epicentro do blues urbano. Ali, seu estilo vocal rendeu comparações inevitáveis com B.B. King e Bobby “Blue” Bland. Alguns o chamavam de “Little B.B.” ou “B.B. Junior”, mas foi o apelido “Big Voice” que permaneceu — justo, direto e impossível de contestar.
Odom tornou-se presença constante em clubes e sessões, não como astro principal, mas como um cantor confiável, intenso e respeitado, daqueles que levantam qualquer banda.
Participações marcantes e colaborações históricas
Grande parte do legado de Andrew Odom está ligada às suas participações em álbuns de outros artistas. Ele foi vocalista em gravações do lendário guitarrista Earl Hooker, com quem manteve uma parceria importante. A combinação da guitarra sofisticada de Hooker com a voz encorpada de Odom resultou em registros hoje considerados essenciais.
Outro momento significativo foi sua participação no álbum “All for Business”, de Jimmy Dawkins, lançado pela Delmark Records. Nesse trabalho, Odom mostrou domínio absoluto do blues elétrico de Chicago, equilibrando agressividade e lirismo.
Já no início dos anos 1990, Andrew Odom cruzou caminhos com o guitarrista brasileiro André Christovam, participando do álbum “The 2120 Sessions”. O disco ocupa um lugar singular na história do blues: trata-se do terceiro álbum da carreira solo de Christovam e também do primeiro disco de blues de um artista brasileiro gravado nos Estados Unidos com músicos americanos.
O título do álbum é uma referência direta ao endereço do estúdio onde foi gravado: 2120 South Michigan Avenue, sede histórica da Chess Records, um dos templos máximos do blues. Foi ali que vozes e guitarras ajudaram a moldar a linguagem do gênero ao longo de décadas.
A presença de Andrew Odom nesse projeto carrega um peso simbólico ainda maior. “The 2120 Sessions” foi o último disco gravado na história daquele estúdio. Apenas dois meses depois, o prédio foi oficialmente tombado como patrimônio histórico e transformado em museu. Assim, a voz de Odom ajudou a encerrar, com dignidade e verdade, um dos capítulos mais importantes da história do blues.
Após o lançamento de 2120 Sessions, Andrew Odom esteve no Brasil e fez uma apresentação ao lado de André Christovam e sua banda nos lendários estúdios da rádio Brasil 2000, em São Paulo.
Naquele período, eu comandava um programa dedicado a performances ao vivo, onde os artistas tocavam e interagiam com os ouvintes pelo telefone. O que se ouviu naquela noite foi mais do que um show: foi um encontro raro entre a voz profunda do blues de Chicago e a pulsação sincera do blues brasileiro. A apresentação foi, simplesmente, inacreditável.
Essas colaborações reforçam o papel de Andrew Odom como cantor de banda, intérprete de sessão e voz de confiança, alguém que elevava o nível artístico de qualquer gravação em que estivesse envolvido.
Carreira solo e discos lançados
Embora nunca tenha alcançado grande sucesso comercial, Andrew Odom lançou álbuns solo que hoje são cultuados por colecionadores e amantes do blues tradicional.
Seu álbum de estreia, “Farther On Down the Road”, gravado no final dos anos 1960, apresentou um cantor maduro, profundamente conectado às raízes do gênero. Já em “Feel So Good”, lançado nos anos 1980, Odom mostrou vitalidade renovada, cercado por músicos experientes da cena de Chicago.
Destaque: “Goin’ to California”
O grande destaque de sua discografia é “Goin’ to California”, lançado em 1991, pouco antes de sua morte. O álbum soa como um testamento artístico: voz segura, repertório sólido e interpretações cheias de verdade.
Nesse disco, Andrew Odom canta como quem sabe que não precisa provar mais nada. Cada faixa carrega o peso de uma vida inteira dedicada ao blues, sem concessões, sem modismos. “Goin’ to California” é, ao mesmo tempo, despedida e afirmação.
Morte e reconhecimento tardio
Andrew “Big Voice” Odom faleceu em 23 de dezembro de 1991, vítima de um ataque cardíaco, a caminho de uma apresentação em Chicago. Morreu como viveu: na estrada, a serviço do blues.
Por muitos anos, seu nome permaneceu fora dos grandes holofotes. Apenas décadas depois, iniciativas de preservação da memória do blues garantiram reconhecimento póstumo, incluindo uma lápide digna para marcar seu descanso final.
Um cantor para quem escuta com atenção
Andrew Odom nunca foi um astro midiático. Foi algo talvez mais importante: um cantor verdadeiro. Sua voz não buscava agradar, buscava comunicar. E ainda hoje, para quem se dispõe a ouvir com calma, ela continua dizendo muito.
Celebrar seu nascimento é reafirmar que o blues também é feito desses nomes que caminharam firmes, longe dos holofotes, mas com alma suficiente para atravessar o tempo.


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