Hip Linkchain: o blues elétrico da rua, da alma e do coração

Hip Linkchain: o blues elétrico da rua, da alma e do coração



Entre as vielas de Chicago, havia um som que não vinha dos grandes clubes nem dos palcos iluminados. Era o som cru, direto e verdadeiro de Hip Linkchain — um guitarrista que transformou a dureza da vida em melodia, e a aspereza do cotidiano em arte elétrica e pulsante. Pouco lembrado pelo grande público, ele foi um dos pilares discretos que mantiveram acesa a chama do blues urbano nas décadas em que o gênero parecia resistir à modernidade.

Do Mississippi à ventania de Chicago

Nasceu Willie Richard, em 10 de novembro de 1936, na pequena cidade de Jackson, Mississippi. Como tantos filhos do Sul, cresceu cercado pelo som de guitarras rústicas e canções que falavam de trabalho, fé e perda. O apelido “Hip Linkchain” veio da mistura entre o nome de um cachorro e uma corrente que ele usava, símbolos de sua força e singularidade. No campo, aprendeu os primeiros acordes, ouvindo Muddy Waters e Howlin’ Wolf como quem escuta o vento trazendo histórias de outra vida.

Nos anos 1950, cansado das plantações e da pobreza, Linkchain seguiu o caminho de tantos outros músicos negros — subiu para o norte em busca de trabalho e de um palco. Chicago o recebeu com guitarras elétricas, amplificadores ruidosos e uma nova forma de fazer o blues soar: mais rápido, mais denso, mais urbano.

O som da esquina e da resistência

Linkchain começou tocando em bares pequenos e esquinas, acompanhando nomes como Hound Dog Taylor, Tail Dragger e Eddie Taylor. Seu estilo era pesado, cheio de ganchos e frases curtas, um diálogo entre o campo e a cidade. Não havia floreios, nem virtuosismo gratuito — havia verdade.

Nos anos 1970, gravou seus primeiros singles, mas foi só na década seguinte que o mundo começou a ouvir melhor o que ele tinha a dizer com sua guitarra. Em 1983, lançou o álbum Change My Blues pela gravadora Tone Zone, um trabalho que mostrava o poder do blues de raiz dentro de uma roupagem moderna, com Linkchain à frente de uma banda vigorosa, cantando histórias sobre amor, dor e sobrevivência.

Change My Blues: o grito que não se apaga

O disco Change My Blues é mais do que um registro de época — é um testemunho de integridade musical. As faixas exalam a essência do Chicago blues, com riffs que lembram o estilo de Magic Sam e a intensidade de Buddy Guy, mas com uma assinatura própria: crua, densa e sem concessões.

Canções como "I'm a Good Man" e "Change My Blues" são o retrato de um músico que não buscava fama, apenas respeito. E ele o conquistou entre os pares — músicos de estúdios e clubes sabiam que, quando Hip Linkchain subia ao palco, o blues ganhava corpo, suor e alma.



Um nome esquecido, mas não apagado

Mesmo com talento de sobra, Hip Linkchain nunca alcançou o sucesso comercial de seus contemporâneos. Tocou em clubes como o Checkerboard Lounge e o Theresa’s, sempre com público fiel, mas restrito. A indústria da música raramente foi generosa com artistas que carregavam o peso da autenticidade, e Linkchain foi um desses.

Seu segundo álbum, Airbusters (1988), e o último, Comin’ Back for More (1990), consolidaram sua reputação como um mestre do electric blues de Chicago, com letras que refletiam a solidão, o amor ferido e a luta por dignidade. Era a voz de quem viveu cada nota, e não apenas a tocou.

O adeus de um bluesman verdadeiro

Hip Linkchain partiu em 13 de fevereiro de 1989, aos 52 anos, vítima de câncer. Sua morte foi discreta, como foi sua vida, mas o legado que deixou segue ecoando entre guitarristas e colecionadores que reconhecem nele um dos grandes artesãos do blues moderno.

Seus discos, hoje raros, são joias que guardam o espírito de uma Chicago que já não existe mais — uma cidade onde cada esquina tinha um riff, cada bar uma história, e cada músico um coração batendo em doze compassos.

O som que vem de dentro

Hip Linkchain foi o tipo de artista que não precisava de aplausos para tocar bem. Seu blues vinha de dentro, moldado pelas agruras e alegrias da vida. Ele não apenas tocava o blues — ele o encarnava. E é isso que o torna eterno.

Em um tempo em que tantos procuram o brilho, ele foi o homem da sombra, do acorde rasgado, do olhar firme e da verdade sem ornamentos. Seu som continua sendo uma lembrança viva de que o blues, em sua essência, não é sobre sucesso, mas sobre sobrevivência.

Porque, no fim, Hip Linkchain nos ensinou que o blues não precisa mudar — ele só precisa continuar tocando, dentro de quem o entende.


Discografia essencial:

  • Change My Blues (1983)
  • Airbusters (1988)
  • Comin’ Back for More (1990)

Hip Linkchain foi um dos últimos guardiões do blues de rua, aquele que não se aprende nos livros, mas no coração.


© Todo Dia Um Blues

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