Davy Knowles: o guitarrista que transforma tradição em futuro
Davy Knowles: o guitarrista que transforma tradição em futuro
Há artistas que carregam o blues como quem leva uma herança frágil, com medo de quebrá-la. E há os que empunham essa herança como quem acende novamente a chama. Davy Knowles pertence a essa segunda espécie: músicos que entendem que o blues nunca foi sobre nostalgia, mas sobre continuidade — uma corrente que passa de mãos calejadas para mãos inquietas.
Nascido na Ilha de Man, um ponto remoto no mapa e improvável berço de um dos guitarristas mais expressivos de sua geração, Knowles descobriu cedo que a guitarra poderia ser tanto um portal quanto um destino. Ao longo das últimas duas décadas, ele construiu uma carreira sólida, movida pela mistura de reverência pela velha guarda e um profundo desejo de criar sua própria linguagem. O resultado é uma obra que mora no encontro entre tradição e modernidade, entre a poeira do passado e o brilho das novas estradas.
Da Ilha de Man para o mundo: o nascimento do Back Door Slam
A jornada musical de Knowles deu seu primeiro salto com a banda Back Door Slam, formada ainda em sua adolescência, ao lado de amigos da Ilha de Man. O trio logo chamou atenção pela intensidade com que tratava o blues, combinando energia juvenil com uma maturidade surpreendente.
O álbum de estreia, “Roll Away” (2007), deixou claro que algo especial estava acontecendo. Knowles surgia como um guitarrista completo, capaz de transitar entre riffs incendiários e linhas melódicas de uma sensibilidade rara. Seu vocal trazia a força bruta de quem canta para sobreviver e a suavidade de quem conhece a vulnerabilidade. Era blues, era rock, era alma — e, acima de tudo, era verdadeiro.
Com o Back Door Slam, Knowles percorreu os EUA, tocou em festivais importantes e abriu shows para gigantes. A crítica enxergou nele um talento singular, e os fãs perceberam que estavam diante de alguém que carregaria o blues ao próximo capítulo. Embora a banda tenha se dissolvido pouco depois, o impacto foi suficiente para colocar Knowles no radar internacional e preparar o terreno para sua carreira solo.
A metamorfose: da promessa ao artista completo
Quando seguiu carreira solo, Knowles não buscou apenas repetir a fórmula do trio. Ele mergulhou mais fundo, explorando novos timbres, novas narrativas e novas arquiteturas musicais. Seus discos seguintes apresentaram um músico mais maduro, mais inquieto e mais confortável com a própria identidade.
Entre seus trabalhos mais marcantes, destacam-se:
- “Coming Up for Air” — produzido por Peter Frampton, trouxe um Knowles mais amplo, expandindo horizontes sem desviar do blues;
- “Three Miles From Avalon” — um mergulho visceral no blues-rock, com guitarras ardentes e composição afiada;
- “What Happens Next” — a síntese do artista contemporâneo, equilibrando sensibilidade, narrativa e identidade musical.
Em todos esses álbuns, Knowles deixou pistas do músico que se tornaria: técnico, mas emocional; virtuoso, mas acessível; profundo, mas sempre conectado ao público. Sua assinatura começou a se cristalizar — e é justamente essa assinatura que o levaria a um dos momentos mais altos de sua trajetória.
MKO: quando três forças se encontram e o blues ganha nova altura
Em MKO, Davy Knowles encontrou a química capaz de incendiar estúdios e palcos com uma nova intensidade. O título do álbum não é enigmático: são as iniciais dos músicos que lhe dão vida — McAvoy, Knowles e O’Neill. Gerry McAvoy e Brendan O’Neill, lendários por seus anos ao lado de Rory Gallagher, formam uma das seções rítmicas mais respeitadas do blues-rock contemporâneo. Knowles, no centro, funciona como a faísca, o incendiador, o narrador.
O resultado é um disco de energia bruta, que parece ter sido captado com o fio desencapado do rock dos anos 70 conectado diretamente à alma do blues moderno. É como se aqueles velhos power trios, que misturavam suor, amplificadores valvulados e liberdade, tivessem ganhado um novo pulmão.
As faixas de MKO são um mapa dessa nova respiração:
- “Fires” — um começo em chamas, mostrando que o trio não veio para pedir licença;
- “Days Gone By” — nostalgia empurrada por guitarra quente, como uma lembrança que ainda arde;
- “Someone Else’s Dream” — talvez uma das melhores performances vocais de Knowles;
- “Hold On Strong” — lenta, reflexiva, emocionalmente expansiva;
- “High Horse” — ritmo pulsante e riffs que desafiam a gravidade;
- “The Great Charade” — Knowles em modo storyteller, carregado de alma;
- “Never Enough” — blues-rock direto, firme como trilho de trem;
- “Still Got Work to Do” — encerramento vigoroso, deixando no ar a sensação de que o trio está apenas começando.
MKO é mais que um álbum: é um reencontro do blues com sua vocação natural — intensidade, diálogo, improviso, humanidade. É um disco que respira como uma jam, mas que entrega a precisão de músicos afiados. A guitarra de Knowles, neste trabalho, não é apenas instrumento: é volante, bússola e motor.
O álbum rapidamente se tornou um dos mais elogiados de sua carreira, apontado por muitos como um marco. Não porque reinventa a roda — e sim porque lembra que a roda ainda gira com força quando posta nas mãos certas.
O presente e o futuro: o blues como estrada viva
Hoje, Davy Knowles é reconhecido como um dos guitarristas mais completos de sua geração. Mantém um pé firme na tradição, sem abrir mão da ousadia. É um músico que honra seus mestres, mas não vive à sombra deles. Ele prefere se sentar ao volante, acelerando por estradas novas com o mesmo respeito devoto que tem pelas vias já percorridas por gigantes como Peter Green, Rory Gallagher e John Mayall.
Seja com a energia devastadora do MKO, com a poesia de seus discos solo ou com a crueza incendiária dos tempos de Back Door Slam, Knowles continua sua missão: manter o blues vivo, pulsante e emocionado.
No fim das contas, Davy Knowles é isso: um artista que toca como quem conversa, que compõe como quem confessa e que sobe no palco como quem acende uma fogueira para que todos ao redor se aqueçam. Um músico que sabe onde o blues nasceu — e que sabe onde ele ainda pode chegar.
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