Bonnie Raitt: uma guitarrista de pulso firme
Bonnie Raitt: uma guitarrista de pulso firme
Bonnie Raitt nasceu em 8 de novembro de 1949, em Burbank, Califórnia — mas sua alma sempre pertenceu ao Mississippi. Filha de um cantor de musicais da Broadway e de uma pianista, cresceu entre partituras e ensaios de palco, mas foi no som cru de Robert Johnson, Mississippi Fred McDowell e Sippie Wallace que ela encontrou sua verdadeira vocação. Com uma guitarra no colo e um coração aberto, Bonnie se tornou uma das vozes mais autênticas do blues moderno — uma mulher que fez da slide guitar sua extensão emocional e do palco seu altar.
Uma jovem ruiva com o espírito do Delta
Nos anos 60, enquanto o mundo vibrava com o folk e o rock psicodélico, Bonnie seguia um caminho diferente. Ainda universitária em Harvard-Radcliffe, ela frequentava os bastidores do blues, aprendendo com mestres esquecidos pelo tempo. Tocava em pequenos clubes, absorvendo as histórias, os lamentos e a sabedoria de velhos músicos que a acolheram como discípula. E foi com essa bagagem de estrada, sentimento e respeito que ela gravou seu primeiro disco — uma obra que se tornaria o marco inicial de uma trajetória brilhante.
O álbum de estreia: um tributo às raízes
Lançado em 1971, “Bonnie Raitt” é um daqueles discos que respiram verdade. Gravado praticamente ao vivo, numa cabana de madeira à beira de um lago em Minnesota, o álbum captura a essência de uma artista que ainda engatinhava, mas já sabia exatamente quem era. Não havia truques de estúdio, nem excessos de produção — apenas músicos talentosos, microfones simples e a energia pura do blues.
Entre canções como “Finest Lovin’ Man”, “Mighty Tight Woman” e “Women Be Wise” — esta última uma homenagem direta à lendária Sippie Wallace —, Bonnie mostrou uma maturidade rara para quem estreava aos 21 anos. Seu slide guitar soava como uma prece embebida em uísque e sal. A voz, rouca e terna, carregava a melancolia de quem já sabia que o blues é menos uma lamentação e mais um ato de coragem. Era o nascimento de uma intérprete que não imitava ninguém — ela apenas sentia, profundamente.
Entre o palco e o coração
Com o tempo, Bonnie Raitt se tornaria uma força incontestável da música americana. Nos anos 70 e 80, firmou-se como uma artista de alma livre, misturando blues, rock, soul e folk em discos que conquistaram crítica e público. Mas foi nos anos 90, com o sucesso estrondoso de “Nick of Time” e “Luck of the Draw”, que ela alcançou o reconhecimento que sempre mereceu. Venceu múltiplos Grammys, entrou para o Hall da Fama do Rock and Roll e, mais importante, tornou-se um símbolo de autenticidade feminina no blues — um território que por muito tempo foi dominado por homens.
Ainda assim, Bonnie nunca perdeu o toque das origens. Mesmo nos momentos de glória, continuou empunhando sua guitarra como quem segura uma confissão. Sua carreira é uma ponte entre o passado e o presente, entre o lamento e a esperança. O que ela faz não é nostalgia — é renovação constante. Cada acorde de slide, cada verso sussurrado, soa como um lembrete de que o blues é uma forma de se manter vivo.
A mulher que o blues não esquece
Hoje, ao celebrar mais um aniversário, Bonnie Raitt continua sendo mais do que uma guitarrista brilhante ou uma voz inesquecível. Ela é um símbolo de integridade artística. Uma artista que aprendeu com os mestres e devolveu ao mundo sua própria versão da alma humana em forma de música. Seu legado é o de quem entendeu que o blues não é um gênero — é uma maneira de estar no mundo.
E quando escutamos aquele disco de estreia, ainda sentimos o mesmo arrepio da primeira nota. É como se Bonnie estivesse ali, diante de nós, com o sol se pondo sobre o lago, cantando para ninguém e para todos. Porque o blues, como ela provou, é isso: uma conversa entre o coração e o tempo.
Feliz aniversário, Bonnie Raitt — e obrigado por nos ensinar que o blues também tem voz feminina, delicada e feroz.
© Todo Dia Um Blues


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