Willie Mabon: um pianista elegante das esquinas de Chicago
Willie Mabon: um pianista elegante das esquinas de Chicago
Existem músicos que não apenas tocam, mas fazem seus instrumentos falarem. Willie Mabon foi um desses raros tradutores da alma humana em notas e teclas. Pianista elegante, cantor irônico e cronista das esquinas de Chicago, ele transformou o blues urbano dos anos 50 em uma conversa direta entre o coração e o humor, entre a dor e a esperteza de quem sobrevive nas ruas.
Das margens do Mississippi para as luzes de Chicago
Nascido em 24 de outubro de 1925, em Hollywood — não a da Califórnia, mas uma pequena cidade no Mississippi —, Willie Mabon cresceu cercado por campos de algodão e melodias que ecoavam dos rádios locais. Ainda jovem, mudou-se para Chicago, onde o blues elétrico fervia em clubes esfumaçados e porões barulhentos. Lá, Mabon encontrou seu idioma definitivo: o Chicago blues, urbano e sofisticado, cheio de swing e ironia.
Enquanto muitos contemporâneos procuravam imitar Muddy Waters ou Howlin’ Wolf, Mabon trilhou um caminho próprio. Ele se aproximou mais de Nat King Cole do que dos guitarristas do South Side — preferia o piano à guitarra e o sarcasmo elegante à lamentação bruta. Seu blues era falado com um sorriso de canto de boca, como quem sabe mais do que deixa transparecer.
I Don’t Know e I’m Mad: o humor no blues
Em 1952, Willie Mabon lançou pela Chess Records o single “I Don’t Know”, um sucesso instantâneo que chegou ao topo das paradas de R&B. A canção era um retrato do homem comum, confuso diante das perguntas da vida e das mulheres, e respondendo com um simples “I don’t know” — um mantra cômico que conquistou os ouvintes. O piano saltava leve, a voz de Mabon brincava com as sílabas, e o blues ganhava contornos de crônica urbana.
Logo em seguida veio “I’m Mad”, outro hit que misturava fúria e ironia em doses precisas. Essa dupla de canções colocou Mabon entre os nomes mais populares do início da década de 1950, fazendo dele um dos primeiros artistas de blues a conquistar um público majoritariamente negro e também branco. Sua presença em programas de rádio e nas jukeboxes consolidou o estilo que unia refinamento e malandragem.
O blues entre a elegância e o esquecimento
Mas o tempo, implacável como um trem que não para, trouxe mudanças rápidas. A cena musical de Chicago se transformava — o rock’n’roll ganhava o mundo e as gravadoras buscavam sons mais comerciais. Mabon, com seu humor sutil e piano de salão, começou a ser ofuscado. Continuou gravando, com discos pela Federal e pela Chess, mas o brilho dos grandes sucessos se apagava aos poucos.
Nos anos 60 e 70, ele viveu um segundo ato discreto. Tocou em clubes menores, excursionou pela Europa e, como tantos bluesmen de sua geração, encontrou reconhecimento tardio no velho continente. Na França, seu piano foi recebido como uma joia rara de Chicago, e Mabon passou a morar em Paris, onde a plateia ouvia com reverência o que na América já soava como um eco distante.
Um homem de poucas palavras e muitos acordes
Willie Mabon nunca foi um músico de excessos. Sua arte era a da contenção: uma risada sutil, uma nota que dizia tudo. Ele fazia o blues parecer fácil — e por isso mesmo, inesquecível. Em suas canções, a vida cotidiana ganhava forma poética. O homem traído, o sujeito cansado, a mulher decidida: todos tinham voz sob o toque de seu piano.
Quando perguntado sobre o sentido de seu estilo, Mabon dizia pouco. Era um observador. Um contador de histórias que preferia deixar que o som falasse. E falava — com ginga, ironia e humanidade.
O adeus de um cronista do blues
Willie Mabon morreu em 19 de abril de 1985, em Paris, longe dos bares de Chicago onde sua música nasceu. Tinha 59 anos e ainda carregava o sorriso leve de quem sabia que o blues é, antes de tudo, uma forma de sobreviver com dignidade. Sua obra, embora às vezes esquecida nas listas de grandes nomes, continua a ecoar nas teclas de todo pianista que entende que o humor também é um jeito de suportar a dor.
Hoje, ao ouvir suas gravações, é impossível não sentir a alma pulsante daquele tempo em que o blues era o jornal da rua, a confissão da esquina e o desabafo da madrugada. Willie Mabon fez o piano rir, chorar e conversar com a gente. E por isso, permanece eterno — como todo bluesman que soube traduzir o mundo em notas de verdade.

 
 
 
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