Roy Book Binder: o trovador que mantém o Piedmont blues vivo na estrada
Roy Book Binder: o trovador que mantém o Piedmont blues vivo na estrada
Há figuras no blues que parecem carregar o tempo nas mãos. Roy Book Binder é uma delas. Um homem que não apenas toca o blues — ele o conta, o revive, o transforma em conversa, riso e memória. Já falamos aqui no Todo Dia Um Blues sobre o Piedmont blues, esse estilo nascido nas Carolinas e na Geórgia, marcado pelo dedilhado leve e melódico que mistura o ritmo do ragtime com a cadência do coração. Mas vale lembrar: o Piedmont não é apenas uma técnica, é uma forma de narrar o cotidiano com elegância e humor. E Book Binder é, talvez, um dos seus últimos verdadeiros embaixadores.
Das ruas ao aprendizado com o Reverend Gary Davis
Nascido em 5 de outubro de 1943, em Nova York, Roy Book Binder cresceu fascinado pelos sons que vinham do sul. Sua vida mudou quando conheceu o lendário Reverend Gary Davis, um dos mestres do fingerpicking e figura central do blues piedmont. Davis não era apenas um músico — era um contador de parábolas, um pregador do ritmo, e Book Binder se tornou seu discípulo atento. Sob a tutela do reverendo, aprendeu mais do que acordes: aprendeu que o blues é conversa entre a alma e os dedos.
Após esse encontro, Roy pegou a estrada. Literalmente. Viajou de cidade em cidade com o violão no banco do passageiro e o blues no banco de trás. Tocava onde houvesse ouvidos e histórias. Por isso, ganhou a reputação de “troubadour”, o trovador moderno que mantém o espírito nômade do blues vivo em cada show, cada estúdio, cada risada entre as canções.
O estilo Piedmont e o coração do fingerpicking
O Piedmont blues é o avesso do lamento — é o sorriso dentro da tristeza. Enquanto o Delta blues vibra em notas cruas e vocais rasgados, o estilo piedmont prefere o balanço doce e a batida dançante. É o som das varandas, das festas de sábado à tarde, das histórias bem contadas. Book Binder domina essa arte com naturalidade: cada nota soa como uma conversa de velho amigo, cada pausa tem o peso da experiência.
Ao longo das décadas, ele se tornou um verdadeiro guardião da tradição, mas sem jamais soar preso ao passado. Seu repertório é cheio de composições próprias, mas também de homenagens a mestres como Blind Blake, Pink Anderson e o próprio Reverend Gary Davis. Em suas mãos, o violão soa como se sorrisse.
“Travelin’ Man”: o álbum que traduz o espírito do artista
Entre sua discografia, o disco Travelin’ Man é uma síntese perfeita do que Roy representa. Lançado no final dos anos 1980, o álbum é um retrato sonoro da estrada — não apenas como destino físico, mas como metáfora de uma vida vivida em movimento. As canções refletem o humor, a ironia e a melancolia que caminham lado a lado no blues. Book Binder canta sobre viagens, encontros, despedidas e sobre o prazer de estar em constante travessia.
Com sua voz rouca, seu dedilhado limpo e seu jeito bem-humorado de contar histórias, ele transforma cada faixa em um pequeno conto. “Travelin’ Man” não é apenas um título — é um estado de espírito. É o retrato de um artista que nunca parou de seguir o rastro do som, com a mesma curiosidade de quando era aprendiz de Reverend Gary Davis.
O contador de histórias do blues
Assistir a Roy Book Binder no palco é ver o blues em carne viva. Entre uma canção e outra, ele conta causos, piadas e lembranças que misturam realidade e lenda, como se estivesse na varanda de casa. É essa leveza que o torna único. Book Binder é mais do que um músico — é um contador de histórias, um cronista das estradas, um artista que faz da simplicidade um ato de resistência cultural.
Nos dias de hoje, em que o blues muitas vezes se perde entre a técnica e a velocidade, ele segue lembrando que o essencial está na emoção. Como ele mesmo costuma dizer, o segredo não é tocar rápido — é fazer cada nota respirar.
O legado de um viajante
Roy Book Binder segue ativo, tocando em festivais e pequenas casas de show, sempre fiel à sua estética artesanal. Ele representa uma linhagem de músicos que não se medem por cifras ou prêmios, mas por autenticidade. Sua importância vai além das gravações: está em manter viva uma tradição que poderia ter se perdido, mas que encontra nele um eco eterno.
O Piedmont blues sobrevive em cada dedilhado que ele ensina, em cada história que conta e em cada riso que arranca da plateia. Book Binder é o homem da estrada, o guardião das histórias e o último trovador de um tempo em que o blues ainda se aprendia olhando e ouvindo, sem pressa, com o coração aberto.
Roy Book Binder é, afinal, o “Travelin’ Man” — aquele que leva o blues onde quer que vá, sem deixar que o passado se perca na poeira do caminho.
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