Robert "Wolfman" Belfour: uivo hipnótico e levada pulsante
Robert "Wolfman" Belfour: uivo hipnótico e levada pulsante
Em meio ao silêncio denso das colinas do norte do Mississippi, um som ecoava como um lamento ancestral. Era a guitarra de Robert “Wolfman” Belfour, um homem que transformou cada acorde em memória, cada groove em trilha de poeira e fé. Um verdadeiro guardião do Hill Country Blues, estilo hipnótico e pulsante que preserva o coração do Sul dos Estados Unidos. Sua história é a de um artista tardio, um operário da vida que carregou a música como uma herança espiritual até o fim de seus dias.
As raízes nas colinas do Mississippi
Nascido em 11 de setembro de 1940, em Red Banks, nas colinas de Holly Springs, Mississippi, Robert Belfour cresceu em uma pequena casa de madeira, cercado por campos e o eco distante dos cânticos de igreja. Seu pai, Grant Belfour, foi o primeiro a lhe mostrar a guitarra — uma velha resonator que, nas mãos do garoto, parecia falar em voz própria. O pai tocava, sorria e ensinava os segredos do ritmo repetitivo, das notas que se arrastam como passos no barro quente.
Mas o blues, como a vida, é também perda. Aos 13 anos, Robert viu seu pai partir, deixando-lhe não só a dor, mas também a herança de um som que se tornaria seu destino. A partir daí, o jovem Belfour trabalhou na roça, cuidou da família e aprendeu, com o tempo e o silêncio, a transformar sofrimento em som.
O operário e o músico
Em 1959, ele se casou com Noreen Norman e se mudou para Memphis, Tennessee, buscando sustento e uma vida melhor. Durante décadas, construiu casas, pintou paredes e ergueu estruturas — enquanto a música dormia, paciente, dentro dele. O blues, porém, nunca o abandonou. Nos raros momentos de descanso, Belfour tirava o pó da guitarra e deixava que o espírito do Mississippi voltasse a soprar pelas cordas.
Foi apenas nos anos 1980 que começou a tocar com frequência nos bares de Beale Street. Sua voz rouca, marcada pelo tempo, e seu estilo sincopado logo chamaram atenção. Ele não imitava ninguém. Tocava do seu jeito — rude, direto, profundo. E quando abria a boca para cantar, o apelido “Wolfman” fazia sentido: havia nele algo selvagem, um uivo de alma antiga que vinha do fundo da terra.
O reencontro com o mundo do blues
Em 1994, o pesquisador e musicólogo David Evans o gravou para a coletânea The Spirit Lives On: Deep South Country Blues and Spirituals in the 1990s. Era o início do reconhecimento. Seu som — cru, envolvente, quase ritualístico — chamou a atenção da Fat Possum Records, gravadora que na época resgatava os mestres esquecidos do blues do norte do Mississippi.
Em 2000, já aos 60 anos, Belfour lançou seu primeiro álbum, What’s Wrong With You. O disco soava como uma confissão tardia, um registro sem filtros de sua vivência e fé. Três anos depois veio Pushin’ My Luck (2003), consolidando seu nome entre os últimos representantes autênticos do Hill Country Blues — aquele estilo marcado pela repetição, pelo transe e pela cadência hipnótica herdada de artistas como R.L. Burnside e Junior Kimbrough.
Belfour não precisava de muito: uma guitarra, um microfone e o peso de uma vida inteira. Suas canções eram como orações, feitas de poeira e batidas, lembrando ao ouvinte que o blues é mais que música — é sobrevivência.
O estilo de um homem só
Enquanto o Delta blues celebrava o lamento melódico, o Hill Country Blues de Belfour preferia o pulso constante, a repetição quase mística. Seu modo de tocar dispensava floreios. O groove era o centro. Ele trabalhava os acordes com força e paciência, como quem cava a terra até encontrar água.
Sua voz — grave, rouca e cheia de sabedoria — carregava o peso da experiência. Não havia pressa, nem pose. Apenas verdade. O apelido “Wolfman” não era apenas pela aparência ou pela voz, mas por aquela sensação de solidão e liberdade que emanava de sua música. Ele era, literalmente, o lobo das colinas, solitário e fiel à sua natureza.
Os últimos dias e o legado
Robert “Wolfman” Belfour viveu discretamente até o fim, longe do glamour, mas cercado de respeito entre os músicos e fãs que compreendiam o valor de sua autenticidade. Morreu em 24 de fevereiro de 2015, aos 74 anos, em Memphis. Sua partida marcou o fim de uma era — a dos últimos bluesmen que ainda traziam no corpo e na alma as marcas do Mississippi original.
O legado de Belfour é o de um homem que nunca se rendeu ao tempo. Trabalhou duro, viveu com simplicidade e deixou para o mundo um som que parece brotar da terra. Ouvi-lo é como caminhar entre as sombras de uma plantação antiga, ouvindo o eco de gerações que resistiram com dignidade e música.
Em tempos de produção em massa e artifício digital, a obra de Robert “Wolfman” Belfour é uma lembrança poderosa de que o blues verdadeiro nasce da carne, da dor e da esperança. Ele foi, e sempre será, um dos últimos uivos de autenticidade das colinas do Mississippi.


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