Mighty Joe Young: o vigor do blues entre a força e a alma
Mighty Joe Young: o vigor do blues entre a força e a alma
Existem guitarristas que parecem moldar o som do blues com as próprias mãos, como se a madeira da guitarra respirasse com eles. Mighty Joe Young foi um desses artesãos sonoros — um homem que uniu a energia do corpo de ex-boxeador com a suavidade melódica da alma de Chicago. Sua trajetória é a de quem viveu o blues com intensidade física e espiritual, cruzando os caminhos do Mississipi, do soul e da vida noturna dos bares que nunca dormem.
Das margens do Louisiana ao frio de Milwaukee
Nascido em 23 de setembro de 1927, em Shreveport, Louisiana, Joseph Young Jr. cresceu em um ambiente onde a música pulsava nos quintais e nas igrejas. Quando adolescente, mudou-se para Milwaukee, Wisconsin, em busca de novos horizontes. Lá, trocou as luvas de boxe pela guitarra, e com o tempo, os acordes substituíram os golpes — mas a força permaneceu.
O apelido “Mighty” (poderoso) surgiu tanto em referência ao famoso filme de 1949 quanto à sua presença de palco e vigor físico. Era um músico que, ao subir ao palco, transformava o blues em uma mistura de suor, ritmo e sentimento.
Os primeiros acordes na cena de Chicago
No início dos anos 1950, Mighty Joe Young começou a se destacar nos clubes de Milwaukee até se mudar para Chicago, onde o blues fervia em cada esquina. Ali, tornou-se um dos guitarristas mais requisitados da cidade, dividindo o palco com nomes como Otis Rush, Billy Boy Arnold e Jimmy Rogers.
Foi ao lado de Magic Sam que sua guitarra ganhou projeção definitiva. Nos lendários álbuns West Side Soul (1967) e Black Magic (1968), Young foi o segundo motor do som, criando diálogos elétricos entre riffs e sentimentos. Sua mão direita era como um coração pulsante — precisa, intensa, carregada de emoção.
O salto para a liderança
Nos anos 1970, chegou a hora de caminhar com o próprio nome na capa. Seu álbum de estreia, Blues with a Touch of Soul (Delmark, 1971), mostrou que Joe Young podia ser mais do que um acompanhante. Era um artista completo, fundindo o blues de Chicago com o soul refinado que nascia na época.
Vieram em seguida discos como Legacy of the Blues, Vol. 4 (1972), Chicken Heads (1974) e o homônimo Mighty Joe Young (1976), nos quais ele ampliou seu estilo e incorporou arranjos modernos, sem perder a essência do blues. A guitarra soava quente, mas sempre elegante — um equilíbrio raro entre força e sutileza.
O som de um guerreiro
Mighty Joe Young nunca foi apenas técnica ou repertório: era sentimento em forma de som. Seu estilo atravessava as fronteiras do gênero, combinando o fraseado pungente do blues com o balanço do soul. Em canções como “Sweet Dynamite” e “Chicken Heads”, o ouvinte percebe o quanto ele entendia a música como um corpo vivo — que pulsa, respira e reage.
Ao lado de artistas como Tyrone Davis, Willie Dixon e Jimmy Dawkins, deixou sua marca em dezenas de gravações, sendo parte essencial do som de uma geração que definiu o blues urbano.
Superação, silêncio e retorno
Em meados dos anos 1980, uma cirurgia no pescoço comprometeu gravemente sua mobilidade e ameaçou calar sua guitarra. Muitos teriam desistido, mas Mighty Joe não. Mesmo com limitações físicas, manteve a chama acesa, concentrando-se no canto e em composições mais maduras. Sua luta inspirou quem o conhecia.
Essa força se traduziu em seu último trabalho, o álbum Mighty Man (1997), lançado pela Blind Pig Records. O disco — indicado ao W.C. Handy Award de melhor álbum de soul-blues — é uma síntese de sua vida: blues, garra e espiritualidade em cada nota.
O adeus de um gigante
Mighty Joe Young faleceu em 24 de março de 1999, em Chicago, aos 71 anos. Partiu como viveu: discreto, intenso e fiel ao blues. Deixou um legado de integridade e emoção, como um daqueles artistas que não buscavam fama, mas sim a verdade sonora que vem de
Discografia essencial
- Blues with a Touch of Soul (Delmark, 1971)
- Legacy of the Blues, Vol. 4 (Sonet, 1972)
- Chicken Heads (Ovation, 1974)
- Mighty Joe Young (Ovation, 1976)
- Love Gone (Ovation, 1978)
- Live at the Wise Fools Pub (ao vivo, final dos anos 70)
- Mighty Man (Blind Pig, 1997)
Em cada disco, há uma parte do homem e outra do mito. O boxeador virou guitarrista; o guitarrista, poeta elétrico. E, no fim, ficou o som de um coração invencível.


 
 
 
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