Katie Webster: A Rainha do Swamp Boogie
Katie Webster: A Rainha do Swamp Boogie
Nascida no Texas, forjada na Louisiana e coroada nos palcos da Europa — Katie Webster foi a verdadeira Rainha do Swamp Boogie! Com seus dedos dançando sobre as teclas e a voz carregada de emoção, ela transformou dor em ritmo e fé em blues. Hoje contamos um pouco da sua históaria.
Infância, fuga e os primeiros compassos
Katie Jewel Thorne nasceu em 11 de janeiro de 1936 em Houston, Texas, filha de Myrtle e Cyrus Thorne. O pai, ex-pianista de ragtime, tornou-se ministro pentecostal, e a mãe tocava piano clássico. Seu lar era um lugar onde a música secular era vista com desconfiança: os pais mantinham o piano trancado para que Katie só tocasse sob supervisão, acreditando que blues, R&B ou rock eram "música do diabo".
Mas Katie tinha olhos e ouvidos além das paredes. No escuro do quarto, escondendo um rádio Philco sob os cobertores, ela ouvia Fats Domino, Little Richard, Ray Charles, Sam Cooke. Já dominava os primeiros acordes que lhe rasgavam a alma com urgência: o piano chamava-a.
Aos quinze anos, após sua família se mudar para a Califórnia, ela ficou com parentes mais permissivos no sudoeste da Louisiana. Rapidamente, tornou-se requisitada como pianista de estúdio pelos produtores Jay Miller (Excello) e Eddie Shuler (Goldband), registrando centenas de gravações com nomes como Slim Harpo, Lazy Lester, Lightnin’ Slim e Clifton Chenier.
Do estúdio aos palcos: encontro com Otis Redding
Em 1964, enquanto se apresentava com sua banda The Uptighters no Bamboo Club em Lake Charles, a energia de Katie atraiu Otis Redding. Impressionado, convidou-a para integrar sua banda de turnê.
Aos poucos, ela acompanhou Redding nos palcos, viajando pelos EUA com ele até o fatídico acidente aéreo que tirou a vida do cantor em 1967. Curiosamente, Katie não embarcou naquele voo: ela estava grávida e dormira demais.
Devastada pela morte do amigo e mentor, Katie retirou-se em parte da cena musical. Passou anos cuidando da família e se afastando da estrada.
Renascimento nos anos 80: do silêncio à consagração
Nos anos 80, a chama apagada voltou a arder quando Katie embarcou para sua primeira turnê europeia em 1982. A Europa a recebeu com entusiasmo e ela retornou mais de trinta vezes, conquistando públicos e renascendo como artista solo.
Em 1988, assinou contrato com a Alligator Records e lançou The Swamp Boogie Queen, álbum que lançou seu nome aos quatro ventos do blues. Bonnie Raitt, Robert Cray, Kim Wilson foram convidados, e o álbum tornou-se marco decisivo em sua carreira.
Seguiram-se os discos Two-Fisted Mama! (1989) e No Foolin’! (1991), que a consagraram como uma força indomável no blues moderno.
A crítica americana reconheceu seu talento: o Boston Globe afirmava que Katie podia expressar “mais sobre a dor da traição com um só rosnado triste do que muitos escritores em livros inteiros”.
O derrame, a luta e o último ato
Em 1993, enquanto fazia uma turnê pela Grécia, Katie sofreu um derrame que danificou o uso de sua mão esquerda e praticamente toda sua visão.
Mesmo assim, sua voz permaneceu intacta, e com a mão direita continuou a tocar em festivais selecionados, negando ao destino o direito de silenciá-la por completo.
Finalmente, em 5 de setembro de 1999, Katie Webster faleceu vítima de ataque cardíaco em League City, Texas.
Legado: notas que ecoam além do silêncio
Katie Webster deixou atrás de si mais que discos – deixou uma herança de alma. Seus acordes energéticos, sua voz marcada pela fé e pela vida, e sua dignidade em continuar tocando mesmo quando o corpo fraquejava, são testemunhos vivos da força do blues como ritual de resistência.
O título Swamp Boogie Queen não é mero apelido: é coroação legítima, fruto de décadas de dedicação, suor, dor e alegria traduzidos em música. Seu piano ecoa em clubes, festivais e gravações que atravessam fronteiras, lembrando que a música verdadeira fura o silêncio do tempo.
Hoje, ao ouvirmos suas gravações, não ouvimos apenas notas: ouvimos uma viagem pela vida de uma mulher que transformou obstáculos em arte, e que nos ensinou que o blues é, acima de tudo, resiliência.
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