Eric Gales: De irmão para irmão - A Tribute to LJK

Eric Gales: De irmão para irmão - A Tribute to LJK



Eric Gales é, antes de tudo, uma voz de cordas — um músico cuja trajetória mistura o fogo da virtude precoce com as cicatrizes das batalhas pessoais. Nascido em Memphis, em 29 de outubro de 1974, Eric cresceu numa casa onde o som não era mera trilha: era ar, era disputa, era herança. Este artigo percorre essa vida: da infância tocada por irmãos músicos à criação da Eric Gales Band, das premiações ao recente e comovente álbum A Tribute to LJK, que reconstrói e celebra o legado do irmão Manuel “Little Jimmy King” Gales.

Memphis: berço e espelho

Memphis não é só um lugar no mapa para Eric — é o primeiro amplificador de sua história. Em uma família onde as cordas passavam de mão em mão, o menino aprendeu a tocar cedo, improvisando e adaptando: tocava uma guitarra para destros invertida — uma solução que lhe deu uma voz única. Entre os irmãos, Eugene e Manuel (Little Jimmy King) foram os primeiros mestres, modelos e rivais afetivos.

Os irmãos e a formação de um som

O vínculo fraterno foi decisivo. Manuel era mais que irmão: era inspiração — um músico mais velho que já caminhava profissionalmente e cujo nome reverberava nas rodas de blues locais. A convivência entre os irmãos gerou uma química musical rara: licks, trocas de ideias, composições que eram testadas na sala de casa e levadas depois para palcos pequenos. Com Eugene no baixo e Eric na guitarra, a família Gales montou o tipo de trio que transforma a experiência íntima em espetáculo.

A Eric Gales Band: ascensão e aprendizado

Ainda jovem, Eric assinou com gravadora e lançou seus primeiros discos sob o nome Eric Gales Band. A banda foi palco de descobertas técnicas e estéticas: riffs distorcidos, respiros funk, influência de Hendrix reinterpretada por um toque sulista. A construção da carreira, contudo, não foi linear — houve descobertas, deslizes e recomeços. A música foi sempre a âncora que o manteve em movimento, um lugar onde o talento e o ofício se apuravam em turnês e estúdio.

Entre sombras: dificuldades e renascimentos

A trajetória também carrega oscilações. Problemas pessoais, escolhas erradas e episódios que marcaram sua vida se entrelaçaram com o caminho musical. Mas o que impressiona em Eric é a capacidade de transformar adversidade em arte: recaídas viraram material sensível para canções e performances que soam honestas porque vêm de experiências vividas. Cada retorno aos palcos é, nesse sentido, uma reafirmação da sua aliança com o blues — gênero que sempre serviu como confissão musical e remédio.

Reconhecimento e premiações

O talento de Eric não passou despercebido: ao longo dos anos, ele recebeu prêmios e reconhecimento dentro da comunidade do blues e do rock. A crítica frequentemente destacou sua destreza e intensidade, e ele conquistou distinções importantes que celebram sua presença como artista de blues rock contemporâneo. Mas, para além das estatuetas, o que conta é a admiração que sua guitarra provoca em plateias e pares.


A homenagem: a tribute to LJK

Em um gesto profundamente pessoal e musical, Eric lançou A Tribute to LJK, álbum dedicado ao irmão Manuel — conhecido artisticamente como Little Jimmy King — que faleceu em 2002 aos 37 anos. Não se trata apenas de revisitar canções: é de resgatar memórias, timbres e atmosferas; de permitir que a voz de Manuel volte a tocar através das mãos do irmão.

O disco reúne interpretações que mantêm a essência das composições de LJK e, ao mesmo tempo, apresentam arranjos em que Eric insere suas marcas pessoais — solos que choram, pausas que traduzem saudade, grooves que lembram as noites de Memphis. Participações especiais de artistas amigos acrescentam camadas emocionais: convidados que conheciam Manuel, ou que partilham o ofício, entram no diálogo e reforçam a ideia de comunidade e continuidade.

Um álbum que é ponte

A Tribute to LJK funciona como ponte entre gerações. Ao reinterpretar as canções do irmão, Eric faz o que todo bom guardião faz: preserva e reinventa. A gravação contém momentos de visceralidade — solos incisivos e vocais carregados — e instantes de calma, como se cada faixa tivesse sido escrita para dobrar o tempo e trazer Manuel de volta por alguns compassos.

Já escrevemos sobre little jimmy king

Vale lembrar: já dedicamos aqui, no Todo Dia Um Blues, uma matéria especial a Little Jimmy King. Nesse post anterior exploramos sua vida, seu estilo e a contribuição que ele deixou ao blues contemporâneo — e é exatamente desse arquivo de memória que Eric parte para compor sua homenagem. Ler sobre Manuel e ouvir Eric é, de certa forma, fechar um circuito de presença e lembrança.

Entre legado e futuro

O que resta após as canções? Resta a certeza de que o blues é instrumento de memória. Eric Gales, com suas mãos calejadas e sua paixão por som, transformou uma perda familiar em oferta artística: um disco que é brasão, oração e celebração. Ele preserva o nome de Manuel, amplia sua história e convida novos ouvintes a entrelaçar-se a essa linhagem.

Se o blues é testemunho, então Eric Gales escreve nele com letra grande: dor, redenção e reverência. E ao escutarmos A Tribute to LJK, percebemos que a música pode, sim, estender a vida de quem se foi — não congelando-o no passado, mas fazendo com que sua voz siga viva nas mãos dos que o amaram.



A Tribute to LJK — Lista de faixas e participações

  1. 1. You Shouldn’t Have Left Me
    Participação:
  2. 2. Rockin’ Horse Ride
    Participação: Christone “Kingfish” Ingram
  3. 3. Guitar Man
    Participação:
  4. 4. Don’t Wanna Go Home
    Participação: Joe Bonamassa
  5. 5. Something Inside of Me
    Participação:
  6. 6. Baby Baby
    Participação:
  7. 7. It Takes a Whole Lotta Money
    Participação: Joe Bonamassa & Josh Smith
  8. 8. Worried Man
    Participação:
  9. 9. Blues Been Too Good To Me
    Participação:
  10. 10. Somebody
    Participação: Buddy Guy & Roosevelt Collier

Observação: faixas sem indicação de participação são interpretações solo/banda de Eric Gales no álbum.


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