Eddie Shaw: o sopro quente do Chicago Blues
Eddie Shaw: o sopro quente do Chicago Blues
O blues sempre teve vozes que falam mais alto do que palavras. Algumas surgem no grito rasgado da guitarra, outras no peso das vozes que ecoam a dor e a esperança. E, em certos casos, elas vêm do sopro de um saxofone, moldando a atmosfera de um clube esfumaçado ou preenchendo o espaço de um festival ao ar livre. Eddie Shaw foi um desses mestres. Um músico que, com seu sax tenor, deu ao blues de Chicago uma tonalidade quente, intensa e inconfundível.
Das raízes ao encontro com os gigantes
Nascido em 20 de março de 1937, em Stringtown, Mississippi, Eddie Shaw cresceu cercado pela música que pulsava no sul dos Estados Unidos. Ainda adolescente, já dominava o saxofone e atraía a atenção de músicos locais. Não demorou para que sua habilidade o colocasse diante de lendas. No início de sua trajetória, trabalhou com Willie Dixon e Muddy Waters, absorvendo os segredos do blues elétrico que então ganhava força.
A mudança definitiva para Chicago foi natural: o saxofonista encontrou na cidade o terreno fértil onde seu som poderia florescer. Ali, o blues urbano pedia não apenas guitarras cortantes e vocais sofridos, mas também instrumentos de sopro que adicionassem peso e profundidade. Eddie soube preencher esse espaço com maestria.
O braço direito de Howlin’ Wolf
O grande capítulo da vida de Eddie Shaw começou quando ele se tornou parte da banda de Howlin’ Wolf, um dos gigantes do blues. Seu saxofone não era apenas acompanhamento: era um rugido paralelo, um comentário musical às interpretações viscerais do Lobo. Shaw não só tocava, mas também compunha e arranjava, tornando-se peça fundamental na engrenagem que sustentava o lendário cantor.
Com o tempo, Eddie Shaw assumiu responsabilidades maiores, especialmente quando a saúde de Howlin’ Wolf começou a declinar. Liderou a Wolf Gang, a banda oficial, garantindo que a música do mestre seguisse viva nos palcos mesmo após sua morte, em 1976. O saxofonista demonstrava não apenas virtuosismo, mas também lealdade e devoção ao legado do blues.
Carreira solo e reconhecimento
Embora seja mais lembrado por sua ligação com Howlin’ Wolf, Eddie Shaw construiu também uma carreira própria. Gravou discos marcantes, como "Movin’ and Groovin’ Man" e "In the Land of the Wolves", nos quais seu saxofone ganhava protagonismo. Sua música sempre preservou a essência do blues, mas com arranjos que carregavam a força do R&B e do soul.
Shaw se destacou também como compositor, criando canções que se tornaram referências no circuito do blues de Chicago. Seus shows tinham a energia crua das ruas, mas também a elegância de um músico que sabia traduzir em sopro toda a experiência de quem viveu o blues por dentro.
Movin’ and Groovin’ Man
Lançado em 1995, "Movin’ and Groovin’ Man" é um dos álbuns mais marcantes da trajetória solo de Eddie Shaw. O saxofonista reuniu um time de peso para dar vida ao disco: Eddie "Cleanhead" Vinson empresta sua sonoridade inconfundível no sax alto, Harlan Terson segura as bases no baixo, Merle Perkins conduz a batida com precisão na bateria, Melvin Taylor adiciona linhas intensas e afiadas na guitarra, Ken Sajdak colore as faixas com seu piano, e a produção ficou a cargo de Didier Tricard, garantindo o equilíbrio entre tradição e modernidade. O resultado é um trabalho vibrante, onde o sax tenor de Shaw dialoga com cada instrumento, criando um álbum que celebra a força do blues de Chicago ao mesmo tempo em que reafirma sua própria identidade artística.
O legado e a despedida
Eddie Shaw permaneceu ativo até os últimos anos de vida, conquistando reconhecimento não apenas do público, mas também da crítica. Recebeu prêmios, foi reverenciado em festivais e, sobretudo, manteve acesa a chama de uma tradição musical que ele ajudou a moldar. Sua morte, em 29 de janeiro de 2018, aos 80 anos, marcou o fim de uma era, mas não silenciou seu saxofone — ele ainda ecoa nas gravações, nos discos e na memória de quem o ouviu ao vivo.
O blues de Chicago não pode ser contado sem mencionar Eddie Shaw. Ele foi um guardião da herança do Mississippi, um embaixador do saxofone e um homem que soube transformar sopro em emoção pura. Sua trajetória nos lembra que o blues é feito não apenas de guitarras e vozes, mas também de instrumentos que falam por si, carregando histórias de dor, luta e resistência.
Um rugido eterno
Se o blues é, por natureza, uma música de sobrevivência, Eddie Shaw foi um dos seus sobreviventes mais brilhantes. Viveu, respirou e soprou blues até o último instante. Seu saxofone, quente e rasgado, permanece como testemunho de um tempo em que os clubes de Chicago vibravam com energia única, e de um músico que fez do sopro um rugido eterno.
Eddie Shaw não apenas tocou o blues. Ele o respirou, o soprou, e o entregou ao mundo em notas que ainda ressoam.
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