Ângela Ro Ro: homenagem a uma voz que sabia doer
Ângela Ro Ro: homenagem a uma voz que sabia doer
Presto esta homenagem porque sempre ouvi seus discos e tenho grande admiração. Hoje, ao saber da partida de Ângela Ro Ro, sinto que o mundo da música perdeu uma voz única — rouca, íntima e capaz de transformar dor em afeto atravessando gerações com seu piano blues.
A cantora e compositora Angela Maria Diniz Gonsalves, conhecida como Ângela Ro Ro, faleceu hoje, aos 75 anos, no Rio de Janeiro, após um período de internação.
Uma voz nascida no mistério
O apelido “Ro Ro” nasceu na infância, ligado ao riso e à maneira como sua voz se manifestava — uma garganta já marcada por uma tessitura grave que viria a ser a sua assinatura. Essa rouquidão não era apenas timbre: era instrumento emocional, ponte entre a tradição da MPB e a sensualidade crua do blues que, por vezes, pareceu lhe sussurrar ao ouvido.
Da formação clássica aos salões da vida
Ro Ro começou a estudar piano ainda criança, e essa base pianística alimentou sua carreira de compositora e intérprete. No fim dos anos 1970, o LP de estreia — intitulado apenas Angela Ro Ro (1979) — trouxe canções que se tornaram clássicos e lhe deram um lugar de destaque na cena musical brasileira, como “Gota de Sangue” e “Amor, Meu Grande Amor”. Sua voz e seu piano criaram um mapa afetivo que atravessou décadas.
Entre a MPB e o blues
Embora enquadrada muitas vezes como cantora da MPB, Ângela Ro Ro circulou por territórios sonoros que conversavam com o blues — não pelo gesto acadêmico, mas pela maneira como os temas do amor, do abandono e da embriaguez sentimental eram entregues: com economia de notas, silêncio e uma franqueza que lembra os grandes cantores do blues. Seu repertório de piano e voz, por vezes simples, revelou uma madureza interpretativa que aproximou públicos distintos.
Discografia e momentos que ficaram
Além do disco de estreia, seus álbuns Só Nos Resta Viver (1980), Escândalo! (1981) e trabalhos posteriores consolidaram uma obra marcada por canções autorais e por regravações que dialogavam com a melhor tradição da canção brasileira. Ao longo da carreira, Ro Ro também assinou composições que foram gravadas por grandes nomes da música brasileira, comprovando sua presença reverberante como autora.
Uma figura pública intensa
Parceira de escândalos e de momentos de silêncio, Ângela viveu uma trajetória marcada tanto por reconhecimento artístico quanto por episódios pessoais que sempre chamaram a atenção da imprensa. Mas, mais do que manchetes, ficou a obra: discos, noites de piano no palco e canções que continuam a rasgar o peito de quem as escuta.
Legado e memória
A voz de Ângela Ro Ro era um lugar onde cabia a confissão e a revolta. Para aqueles que, como eu, sempre voltaram aos seus discos, fica a lembrança de uma intérprete que sabia transformar o íntimo em algo universal. Nos seus pianismos contidos, nos silêncios que dizia tanto quanto as notas, Ângela deixou um arquivo emocional que continuará a dialogar com as futuras gerações.
Uma despedida pessoal
Fecho esta homenagem com uma gratidão simples: obrigado por tantas manhãs embaladas por suas melodias, por tantos finais de noite em que sua voz fez companhia. A música que ela deixou é testemunho — e, ao mesmo tempo, convite — para que continuemos a escutar com atenção, com respeito e com o coração aberto para as verdades que só a música permite dizer.
Descanse em paz, Ângela Ro Ro. Sua voz permanece.
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