Professor Longhair – um dos pioneiros do rhythm & blues de Nova Orleans

Professor Longhair – um dos pioneiros do rhythm & blues de Nova Orleans



Há nomes no blues e no rhythm and blues que são mais que artistas – são arquitetos de uma sonoridade inteira. Henry Roeland Byrd, o mundo o conheceu como Professor Longhair, e Nova Orleans nunca mais foi a mesma depois que seus dedos começaram a correr pelo teclado. Sua música era um carnaval permanente, misturando o calor do blues, o balanço do boogie-woogie, a cadência caribenha e a malícia do Mardi Gras. “Fess”, como era chamado, não apenas tocava piano: ele fazia o instrumento sambar ao som do golpear do pé e do balanço de seu chapéu inclinado.

As raízes de um som único

Nascido em 19 de dezembro de 1918, em Bogalusa, Louisiana, Henry Roeland Byrd cresceu cercado por ritmos. Desde cedo, absorveu o ragtime, o jazz das ruas e os sons afro-caribenhos que ecoavam nos desfiles de Nova Orleans. Aprendeu piano de forma autodidata, usando teclas quebradas e improvisando harmonias. Essa falta de formalidade acabou criando sua marca: um estilo sincopado, cheio de surpresas, que desafiava qualquer tentativa de categorização.

Foi na década de 1940 que o apelido “Professor Longhair” surgiu, e com ele vieram as primeiras gravações. Entre 1949 e 1953, registrou clássicos como Mardi Gras in New Orleans, Tipitina e Go to the Mardi Gras — canções que se tornaram hinos da cidade. Sua forma de cantar, entre o canto e a fala, com risadas e falsetes inesperados, completava a atmosfera festiva e irreverente.

Ascensão, silêncio e renascimento

Como muitos artistas de sua geração, Longhair enfrentou períodos de esquecimento. Na década de 1960, chegou a trabalhar como zelador, longe dos palcos. Mas a energia de Nova Orleans não o deixou apagar-se. O ressurgimento do interesse pelo R&B e pelo blues local no final dos anos 1960 trouxe o Professor de volta aos holofotes, especialmente após sua performance arrebatadora no New Orleans Jazz & Heritage Festival.

Esse renascimento coincidiu com a redescoberta mundial da música da Louisiana. Artistas como Dr. John, The Meters e Allen Toussaint reverenciavam Fess como mestre e inspiração, e os palcos voltaram a receber aquele homem magro, de sorriso largo e mãos elétricas.



Crawfish Fiesta – O brinde final de um mestre

Entre todos os discos de sua carreira, um ocupa lugar especial: Crawfish Fiesta. Gravado em 1979 e lançado em 1980 pela Alligator Records, foi seu último trabalho de estúdio — e, para muitos, seu melhor. O álbum é a síntese da alegria e da força de Professor Longhair, embalado pelo calor da cidade que o fez e pelo brilho dos músicos que o acompanharam.

Produzido por Allison Kaslow, Andrew Kaslow e Bruce Iglauer, o disco contou com participações memoráveis, como a guitarra afiada de Dr. John e os sopros vibrantes de Tony Dagradi e Andrew Kaslow. Alfred “Uganda” Roberts nas congas e Johnny Vidacovich na bateria deram a pulsação irresistível, enquanto o baixo de David Lee Watson sustentava o groove.

As faixas são um desfile de ritmos e histórias: Big Chief, Her Mind Is Gone, Red Beans, Willie Fugal’s Blues, Bald Head e a faixa-título Crawfish Fiesta são pura celebração. O piano de Longhair soa como uma orquestra inteira, e sua voz carrega a malícia e a ternura de quem viveu cada esquina da cidade.

A crítica foi unânime. O disco recebeu elogios entusiasmados, descrito como “grandioso” e “a perfeita trilha sonora para qualquer festa de Nova Orleans”. Robert Christgau destacou o equilíbrio entre arranjos, seleção de músicas e a forma como os vocais de Fess se tornaram um elemento artístico central.

Legado eterno

Professor Longhair partiu em 30 de janeiro de 1980, pouco antes do lançamento de Crawfish Fiesta. Sua morte deixou Nova Orleans em luto, mas também consolidou sua lenda. Hoje, sua música é presença obrigatória em qualquer celebração que pretenda capturar a verdadeira alma da cidade.

O clube Tipitina’s, inaugurado em 1977 e batizado em homenagem a uma de suas canções mais icônicas, mantém viva sua memória. Sua influência pode ser ouvida em músicos do blues, do funk e do rock, em qualquer lugar onde um piano seja tocado com liberdade e coração.

Professor Longhair – muito mais que um músico

Ouvir Professor Longhair é entrar em um universo onde o blues veste fantasia, o piano vira instrumento de percussão e a voz é um convite para dançar. Sua obra, coroada pelo brilho de Crawfish Fiesta, é um lembrete de que música é alegria, resistência e celebração.

Em cada nota, há a marca de um homem que transformou a dificuldade em estilo, que inventou um jeito próprio de contar histórias, e que fez da vida — mesmo com altos e baixos — uma festa constante. No fim das contas, o Professor não nos deu apenas música: nos deu uma aula eterna de como viver com swing.


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