Karen Lee Andrews — Blues, Alma e Sobrevivência
Karen Lee Andrews — Blues, Alma e Sobrevivência
O blues tem essa capacidade única de fazer da dor um caminho de luz. E é por essa trilha entre sombras e redenção que caminha Karen Lee Andrews, cantora e guitarrista australiana que, com seu novo álbum Survival, confirma o que os palcos já sabiam: ela é uma das vozes mais poderosas e genuínas da cena soul blues contemporânea.
Das raízes à revelação
Filha de imigrantes samoanos, Karen nasceu na Austrália, mas sua música transcende qualquer fronteira geográfica. Sua primeira aparição ao grande público veio em 2013, quando participou do The Voice Australia sob o nome artístico Ms. Murphy. Ali, encantou os jurados com sua entrega vocal e paixão pelas raízes do soul e do gospel. Mas aquele era apenas o começo.
Ao abandonar o pseudônimo e assumir seu nome verdadeiro, Karen Lee Andrews iniciou um novo ciclo artístico. Um ciclo de afirmação, de reencontro com sua ancestralidade e com a força espiritual do blues. Sua voz, ao mesmo tempo rouca e melódica, evoca divas como Etta James, Aretha Franklin e Susan Tedeschi, mas com uma assinatura única, marcada por seu timbre emocional e sua forma visceral de tocar guitarra.
O caminho até Survival
Antes de chegar ao disco mais recente, Karen lançou trabalhos que pavimentaram sua jornada autoral. Como Ms. Murphy, apresentou versões e interpretações intensas no EP White Dress and the Spirit e no álbum ao vivo Dirty Soul (2014). Já como Karen Lee Andrews, lançou em 2018 o EP Far From Paradise, onde começou a desenhar uma estética mais pessoal — mesclando soul, blues e reflexões sobre identidade, espiritualidade e amor.
Mas é em Survival, lançado em fevereiro de 2025, que essa artista atinge um novo patamar. O disco é mais do que uma coleção de canções. É um manifesto. Um canto de resistência. Uma carta aberta sobre dor, cura, fé e pertencimento.
Survival — alma viva em oito atos
O álbum traz oito faixas, todas compostas por Karen, e mergulha fundo em paisagens emocionais que transitam entre o desespero e a esperança. A produção é sofisticada, com arranjos que respeitam o espaço das palavras e realçam a força de sua interpretação.
- 1. Dark and Heavy — Um início denso e atmosférico, que revela logo de cara o tom do álbum. A guitarra soa como um trovão em câmera lenta.
- 2. Borrowed Time — Groove elegante, letra que fala sobre o tempo emprestado da vida. Soul-blues no melhor estilo.
- 3. Nobody’s Fool — Faixa de empoderamento com refrão forte. Karen canta com a segurança de quem já passou pela tempestade.
- 4. Survival — A música-título é o coração do disco. Uma canção sobre seguir em frente mesmo quando tudo parece perdido.
- 5. Time Will Wash Me Clean — A mais longa do álbum, quase uma prece. Guitarras suaves, voz profunda, e uma atmosfera de redenção.
- 6. Calling — Um blues moderno, espiritualizado. Karen explora aqui sua ligação com a fé e sua missão artística.
- 7. All of My Lovin’ — Um alívio mais leve e melódico, sem perder a carga emocional. Uma declaração de entrega.
- 8. I’m Yours — Encerramento com força. Balada intensa e envolvente, coroando a jornada emocional do álbum.
Com Survival, Karen não apenas canta: ela cura, enfrenta, se transforma. Há uma beleza crua em suas letras, que ressoam como confidências sussurradas com coragem. Os vocais são impregnados de alma. E a guitarra, embora não seja exibicionista, fala alto com timbres encorpados e seguros.
O blues como libertação
Não se trata de seguir modismos ou fórmulas prontas. Karen Lee Andrews faz música como quem respira — porque precisa. Porque a arte, para ela, é sobrevivência. E isso ecoa em cada acorde, em cada silêncio entre os versos.
Seu blues carrega a ancestralidade polinésia, a espiritualidade do gospel, a sensibilidade do soul e a franqueza da vida real. É música feita com o coração aberto, com os pés firmes no palco e os olhos voltados para dentro.
Ao vivo, ela é ainda mais magnética. Já dividiu o palco com nomes como Jimmy Barnes e Gregory Porter, e tem impressionado plateias pela intensidade com que conduz seu show — entre riffs com alma e silêncios que dizem tudo.
Sobreviver é mais do que existir
Com Survival, Karen Lee Andrews entra definitivamente na galeria dos grandes nomes do blues contemporâneo. Não por imitar o passado, mas por fazer dele uma semente. Seu disco é, ao mesmo tempo, um espelho e um farol. Reflete o que há de mais profundo em nós e aponta caminhos possíveis, mesmo quando a estrada parece escura.
O título não poderia ser mais preciso. Karen sobrevive. E ao fazer isso com tanto talento, ela nos lembra que também podemos.
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