Vargas Blues Band: Da alma do Mediterrâneo ao coração do blues internacional

Vargas Blues Band: Da alma do Mediterrâneo ao coração do blues internacional



Um guitarrista entre mundos

Javier Vargas não é apenas um virtuose da guitarra. Ele é um dos maiores embaixadores do blues na Europa e na América Latina. Nascido em Madri, mas criado entre Mendoza e Mar del Plata, na Argentina, Vargas desenvolveu cedo uma paixão pelo blues, aquela linguagem universal feita de dor, resistência e transcendência. Ainda jovem, mudou-se para os Estados Unidos, onde absorveu o que havia de mais autêntico no blues de Nashville e no rock de Los Angeles. Ao retornar à Espanha, uniu essa bagagem ao tempero do flamenco e do rock latino para fundar, no início dos anos 1990, a Vargas Blues Band.

Três décadas de história e colaborações lendárias

Desde seu primeiro disco, "All Around Blues", lançado em 1991, Javier Vargas mostrou que sua proposta ia além do tradicional. Em "Madrid-Memphis", gravado no ano seguinte, ele cruzou continentes e estilos, trazendo participações especiais de gigantes como Louisiana Red e Carey Bell. Já em "Blues Latino", de 1994, registrou um de seus maiores clássicos, faixa que posteriormente seria regravada por Carlos Santana.

O ênfase de Vargas sempre foi o cruzamento entre o feeling do blues de Chicago, o peso do rock texano e a sofisticação dos ritmos ibéricos. Discos como "Texas Tango", com o lendário Double Trouble, e "Gipsy Boogie", que aproxima flamenco e jazz blues, revelam um artista inquieto e visionário. Ele também dividiu o palco ou estúdio com nomes como Devon Allman, Jack Bruce, Chris Rea, Junior Wells e Glenn Hughes.

"Blues the Healer": o som que cura sem palavras

No início deste ano, Javier Vargas surpreendeu seus fãs com um disco inteiramente instrumental: "Blues the Healer". Longe de ser um trabalho experimental ou apenas contemplativo, o álbum carrega uma intensidade emocional que dialoga com quem escuta, mesmo sem uma só palavra cantada.

As faixas trafegam por paisagens introspectivas e cénicas. "Back to My Roots" abre o álbum com uma atmosfera densa e meditativa. "Blues for Jaky" e "Anaconda Style" trazem grooves hipnóticos, enquanto "Spanish Wine" e "Del Sur" evocam o sul da Espanha, com nuances melódicas que lembram o flamenco e a guitarra andaluza.

O ponto alto é a faixa-título, "Blues the Healer", onde o sax e a guitarra dialogam com uma delicadeza quase espiritual. Outra canção notável é "Albatross", homenagem ao clássico de Peter Green. Fechando com "Blues Is the Power", Javier reafirma sua fé nessa linguagem universal como um canal de expressão e cura.

Com esse disco, Vargas parece nos dizer que a guitarra fala mais que mil palavras. E à julgar pela recepção calorosa dos fãs e pelas audições expressivas em plataformas digitais, o recado foi bem compreendido.



"Down Under Blues": o próximo passo 

Logo após o sucesso de "Blues the Healer", Javier Vargas já emendou um novo projeto: o aguardado "Down Under Blues". Este álbum traz de volta os vocais e tem como proposta o resgate do blues tradicional com roupagem moderna. Para isso, ele reuniu um time internacional de peso: Reese Wynans (ex-Double Trouble), músicos dos Blues Brothers e um baixista vindo de Memphis. É uma ponte entre os hemisférios norte e sul do blues, como sugere o título.

O primeiro single, "Down Under Blues", já está nas plataformas de streaming. Trata-se de uma faixa que combina um blues enraizado com arranjos modernos e vocais marcantes, abrindo caminho para o que virá no álbum completo. É uma amostra da vitalidade que Javier e sua banda ainda têm após mais de três décadas de carreira. A expectativa pelo disco completo é alta, especialmente após o sucesso instrumental de "Blues the Healer".

Legado e influência

Com mais de 25 álbuns lançados, oito discos de platina e incontáveis colaborações internacionais, a Vargas Blues Band segue relevante não por nostalgia, mas por reinvenção. Javier Vargas é daqueles artistas que não se acomodam: se em um momento dialoga com o flamenco, no seguinte está em Memphis gravando com lendas do southern rock, ou misturando jazz e soul em uma faixa instrumental.

Seu legado está na forma como ajudou a moldar o blues europeu, criando um estilo próprio que hoje influencia guitarristas da Espanha à América do Sul. Além disso, seu respeito pelas raízes do gênero, sua dedicação artesanal aos arranjos e sua capacidade de emocionar fazem dele uma figura essencial no blues contemporâneo.

Conclusão

O blues não nasceu na Espanha, nem na Argentina. Mas, através das mãos de Javier Vargas, ele ganhou um novo sotaque, uma nova cor, uma nova alma. Seja através da introspecção de "Blues the Healer" ou da pegada renovada de "Down Under Blues", a Vargas Blues Band continua a nos lembrar que o blues não tem fronteiras. Tem apenas verdades. E elas soam melhor quando acompanhadas por uma guitarra sincera.


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