Mike Bloomfield: O Bluesman Visionário Que Mudou a História da Guitarra Elétrica
Mike Bloomfield: O Bluesman Visionário Que Mudou a História da Guitarra Elétrica
Antes de tudo, um agradecimento especial ao leitor Paulo Adachi, que nos escreveu por e-mail sugerindo esta matéria. A sua lembrança foi certeira. Hoje, o Todo Dia Um Blues mergulha na trajetória intensa e brilhante de Mike Bloomfield, um dos maiores guitarristas que o blues e o rock já conheceram.
O Garoto Brilhante de Chicago
Mike Bloomfield nasceu em 28 de julho de 1943, em Chicago, Illinois. Filho de uma família judia de classe média alta, Bloomfield teve uma juventude privilegiada, mas escolheu trilhar um caminho musical que o levaria aos becos do blues da cidade. Desde cedo, ele foi atraído pelo som das guitarras, especialmente pela música que ouvia nas rádios de blues e nos discos que colecionava com obsessão.
Ainda adolescente, Bloomfield começou a frequentar clubes noturnos no South Side de Chicago, onde conheceu e foi apadrinhado por lendas como Muddy Waters, Howlin’ Wolf e Buddy Guy. Poucos músicos brancos conseguiam transitar com tanta naturalidade entre os mestres do blues negro. Bloomfield não apenas era aceito; ele era admirado pelo talento que já demonstrava em sua guitarra elétrica, inspirada no som cru e vibrante do Chicago Blues.
A Ascensão e o Respeito dos Mestres
O respeito conquistado nas jam sessions e nos clubes logo chamou a atenção da indústria musical. Bloomfield desenvolveu um estilo único, que misturava a visceralidade do blues com o improviso sofisticado do jazz e uma pegada roqueira que antecipava movimentos futuros. Suas influências iam de B.B. King a Elmore James, passando por John Lee Hooker e Lightnin’ Hopkins.
Na primeira metade dos anos 60, Bloomfield gravou como sideman para diversos artistas e participou de algumas bandas locais. Mas foi com a Paul Butterfield Blues Band que ele explodiu. Ao lado de Paul Butterfield, Sam Lay e Jerome Arnold, Bloomfield ajudou a transformar a banda em uma referência do blues elétrico. Seu trabalho no álbum The Paul Butterfield Blues Band (1965) é considerado revolucionário, especialmente pela intensidade das faixas como "Born in Chicago" e "Blues with a Feeling".
East-West e a Expansão das Fronteiras Musicais
Em 1966, Bloomfield e a Butterfield Blues Band lançaram o álbum East-West, que ficou marcado pela faixa-título, uma jam instrumental de quase 14 minutos. Ali, Bloomfield combinou blues, jazz, raga e rock psicodélico, criando um dos registros mais influentes da década. A guitarra de Bloomfield neste disco elevou a improvisação a um novo patamar no rock americano e antecipou elementos que depois seriam explorados por bandas como o Grateful Dead e o Allman Brothers Band.
Apesar do sucesso, Bloomfield não se sentia confortável com o ritmo exaustivo das turnês. Ele sofria de insônia crônica, ansiedade e outros problemas de saúde mental que o acompanhariam ao longo da vida. Ainda assim, seu prestígio como guitarrista só crescia.
Super Session: O Álbum Que Definiu Seu Legado
Em maio de 1968, Bloomfield foi convidado pelo amigo Al Kooper para uma gravação que se tornaria lendária. Kooper, que já havia tocado com Bob Dylan e era um nome respeitado na Columbia Records, teve a ideia de reunir músicos talentosos para um álbum de jam sessions. A proposta era simples: entrar no estúdio e deixar a música fluir, sem pressões comerciais.
Nas sessões de 28 de maio de 1968, Bloomfield e Kooper gravaram uma série de faixas vibrantes, entre elas "Albert’s Shuffle" e "Stop". A química entre os dois era inegável, com Bloomfield soltando solos incendiários em sua Gibson Les Paul, marcados por bends expressivos e um timbre cortante. A faixa "His Holy Modal Majesty" é um exemplo da liberdade criativa que permeou o projeto, com uma sonoridade que mescla jazz modal e psicodelia.
No entanto, Bloomfield, fiel ao seu perfil errático, abandonou as gravações no meio da madrugada, deixando apenas um bilhete para Kooper: "Couldn’t sleep, bye." Para não interromper o projeto, Kooper recrutou às pressas Stephen Stills, recém-saído do Buffalo Springfield. Stills assumiu as guitarras no segundo dia, gravando faixas como "Season of the Witch", "You Don’t Love Me" e "Harvey’s Tune".
Lançado em 22 de julho de 1968, o álbum Super Session foi um sucesso estrondoso, alcançando o 12º lugar na Billboard 200 e permanecendo nas paradas por 37 semanas. Além disso, recebeu disco de ouro e se tornou um marco das jam sessions no rock. A combinação de blues, rock e psicodelia, aliada ao talento de Bloomfield, Kooper e Stills, consolidou Super Session como um dos álbuns mais influentes da época.
O Declínio e o Blues Interior
Apesar do sucesso, Bloomfield nunca se adaptou à indústria musical. Sua luta contra a insônia e a dependência química o afastava dos palcos e dos estúdios com frequência. Ainda em 1968, ele formou a Electric Flag, uma banda ambiciosa que mesclava blues, soul e funk, mas o projeto teve vida curta.
Nos anos seguintes, Bloomfield alternou períodos de reclusão com participações esporádicas em gravações. Entre seus trabalhos notáveis estão The Live Adventures of Mike Bloomfield and Al Kooper (1969) e colaborações com Janis Joplin e Bob Dylan, incluindo sua participação no histórico álbum Highway 61 Revisited (1965), no qual gravou solos inesquecíveis, como em "Like a Rolling Stone".
Ao longo dos anos 70, Bloomfield lançou discos solo de forma esporádica, sempre com foco no blues tradicional. Embora evitasse a mídia e grandes gravadoras, continuava cultuado entre músicos e fãs, mantendo-se como um verdadeiro "guitarrista dos guitarristas".
O Fim Prematuro e a Imortalidade no Blues
Mike Bloomfield faleceu em 15 de fevereiro de 1981, aos 37 anos, em circunstâncias nunca totalmente esclarecidas. Seu corpo foi encontrado em um carro no norte de São Francisco, vítima de overdose. Sua morte precoce reforçou a aura de lenda, mas também deixou um vazio no blues e no rock americano.
Hoje, mais de quatro décadas após sua partida, Bloomfield permanece como uma referência fundamental. Sua abordagem livre, emocional e tecnicamente brilhante da guitarra continua a inspirar músicos em todo o mundo. O álbum Super Session, em particular, segue como um testamento imortal do seu talento, um disco que captura o momento exato em que o blues encontrou o rock e abriu novos horizontes para a música moderna.
Legado e Influência Duradoura
Mike Bloomfield foi um pioneiro. Muito antes de termos a rotulação de "guitar hero", ele já personificava esse conceito. Seus solos não eram apenas demonstrações de virtuosismo; eram narrativas, cada nota carregada de emoção e alma.
Além de sua técnica inigualável, Bloomfield deixou um legado importante ao ajudar a popularizar o blues elétrico entre públicos jovens e brancos nos Estados Unidos, abrindo portas para artistas como Eric Clapton, Peter Green e Stevie Ray Vaughan. Suas gravações com Paul Butterfield, Bob Dylan e na Super Session continuam sendo referência obrigatória em qualquer estudo sobre a guitarra elétrica no blues e no rock.
O Todo Dia Um Blues celebra hoje a genialidade de Mike Bloomfield, agradecendo mais uma vez ao leitor Paulo Adachi pela sugestão de revisitar a obra deste mestre absoluto. Que suas notas continuem ecoando, inspirando novas gerações a se perderem — e se encontrarem — no caminho mágico do blues.
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