Lucky Peterson: a alma do blues moderno em “Lucky Strikes!”

Lucky Peterson: a alma do blues moderno em “Lucky Strikes!”



Com uma carreira que se estendeu por mais de quatro décadas, Lucky Peterson foi uma das figuras mais completas e respeitadas do blues contemporâneo. Multi-instrumentista nato, vocalista de timbre marcante e presença de palco inconfundível, ele transitou com naturalidade entre o blues, o soul, o gospel e o R&B, construindo uma discografia sólida e apaixonada. Mas foi com o álbum Lucky Strikes!, lançado em 1989, que sua trajetória ganhou novo impulso ao ingressar no lendário catálogo da Alligator Records.

Do menino prodígio ao bluesman de alma antiga

Nascido Judge Kenneth Peterson em 13 de dezembro de 1964, em Buffalo, Nova York, ele ganhou o apelido “Lucky” ainda pequeno. Filho do cantor e dono de clube James Peterson, cresceu cercado pela efervescência do blues. Aos cinco anos de idade, chamou atenção nacional ao se apresentar tocando órgão Hammond B-3 em programas de televisão como The Ed Sullivan Show e Tonight Show Starring Johnny Carson. Não demorou para se tornar conhecido como o “garoto prodígio do blues”.

Ainda criança, foi apadrinhado por ninguém menos que Willie Dixon, que produziu seu primeiro disco, Our Future, em 1971. A partir dali, sua vida foi moldada pelos palcos e estúdios, e mesmo ainda muito jovem, passou a integrar bandas de gigantes como Etta James, Bobby "Blue" Bland e Otis Rush, ganhando valiosa experiência e maturidade musical.

Um talento completo: guitarra, teclas e voz

O que tornava Lucky Peterson um artista raro era sua capacidade de dominar diferentes instrumentos com igual maestria. Ao longo de sua carreira, alternava com naturalidade entre a guitarra elétrica e o órgão Hammond, sempre com solos vibrantes e cheios de emoção. Seu estilo vocal reunia a crueza do blues com a intensidade emocional do soul e a espiritualidade do gospel.

Essa combinação de elementos transformava cada apresentação em um espetáculo genuinamente energético e espiritualizado. Lucky era um verdadeiro showman, daqueles que suam no palco e entregam tudo ao público.



“Lucky Strikes!”: um começo promissor com a Alligator

Em 1989, aos 25 anos, Lucky Peterson lançou o álbum Lucky Strikes!, marcando o início de sua jornada com a prestigiada Alligator Records. Foi seu primeiro trabalho solo com uma grande gravadora de blues e trouxe à tona toda a maturidade que havia acumulado como sideman ao longo da década anterior.

O disco foi gravado no King Snake Studios, na Flórida, e apresenta nove faixas que transitam entre o blues elétrico e o soul-blues, sempre com arranjos cuidadosamente construídos e a energia visceral característica de Lucky.

Faixas como “Over My Head” e “She Spread Her Wings (And Flew Away)” mostram sua versatilidade como compositor e instrumentista, mesclando groove, sentimento e sofisticação harmônica. Já canções como “Dead Cat on the Line” revelam seu lado mais irônico e ligado às raízes tradicionais do blues. A presença dos metais em algumas faixas dividiu opiniões entre críticos, mas também serviu para enriquecer o espectro sonoro do disco.

“Lucky Strikes!” foi um verdadeiro cartão de visitas. A crítica especializada destacou a performance vocal de Peterson e seu domínio instrumental como elementos centrais de um trabalho maduro e ousado. O álbum foi descrito como “o verdadeiro nascimento de Lucky como um artista solo completo”.

Discografia marcante e espírito inquieto

Após a estreia com Lucky Strikes!, ele lançou Triple Play em 1990, ainda pela Alligator. Nos anos seguintes, passou por selos como Verve, Dreyfus e JSP, expandindo suas explorações musicais sem jamais perder a base blueseira. Em cada disco, mostrava novas facetas: ora mais soul, ora mais gospel, às vezes flertando com o jazz, mas sempre com autenticidade.

Entre os destaques de sua discografia estão álbuns como I'm Ready (1993), Move (1998), Black Midnight Sun (2003) e You Can Always Turn Around (2010), este último premiado com um Blues Music Award.

Além dos discos de estúdio, Lucky Peterson era figura constante em festivais de blues pelo mundo, especialmente na Europa, onde gozava de enorme prestígio. Foi também um artista muito requisitado para colaborações e participou de projetos com artistas como Mavis Staples, Joe Louis Walker, Otis Clay e Kenny Neal.

Um legado que permanece vivo

Lucky Peterson faleceu precocemente em 17 de maio de 2020, aos 55 anos, vítima de uma hemorragia cerebral. Sua morte abalou a comunidade do blues, mas também fez surgir um novo interesse por sua obra. Diversos tributos e reedições foram lançados após sua partida, reconhecendo seu papel como um dos grandes renovadores do gênero no fim do século XX e início do XXI.

Mais do que um virtuose, Lucky foi um artista com alma. Sua música carregava a urgência de quem viveu intensamente e o compromisso com uma tradição que ele respeitava, reinventava e transmitia com paixão. Para quem quer conhecer um bluesman moderno com raízes profundas, Lucky Strikes! é o ponto de partida ideal.

Discografia essencial

  • Lucky Strikes! (1989)
  • Triple Play (1990)
  • I'm Ready (1993)
  • Move (1998)
  • Black Midnight Sun (2003)
  • You Can Always Turn Around (2010)
  • 50 – Just Warming Up! (2014)
  • What Have I Done Wrong – Live In France (2019)

Conclusão

Lucky Peterson foi um dos raros artistas capazes de fazer o blues soar atual sem perder sua raiz. O álbum Lucky Strikes! mostrou ao mundo que aquele garoto prodígio havia crescido — e se tornado um dos grandes nomes do blues moderno. Seu legado permanece nos discos, nas memórias dos shows e no coração de quem vive o blues como ele viveu: com intensidade, respeito e alma.


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