Blind Willie McTell: A Voz e as Doze Cordas Imortais do Blues do Piemonte
Blind Willie McTell: A Voz e as Doze Cordas Imortais do Blues do Piemonte
Já falamos aqui no blog Todo Dia Um Blues sobre o blues do Piemonte, também conhecido como Piedmont Blues, blues da Costa Leste ou blues do Sudeste, na matéria sobre o violonista John Cephas e o gaitista e vocalista Phil Wiggins — dois mestres que foram profundamente influenciados por um dos pilares desse estilo: Blind Willie McTell.
Nome essencial da música norte-americana, Blind Willie McTell transcende o tempo. Dono de um toque inconfundível no violão de 12 cordas, uma voz suave e uma capacidade narrativa que o colocam entre os maiores do gênero, McTell ajudou a esculpir a identidade do blues do Sudeste dos Estados Unidos, numa mistura de ragtime, gospel e folk, com acento regional inconfundível.
As Origens de um Gênio Cego
Nascido em 5 de maio de 1898 (há registros que apontam 1901) como William Samuel McTier (ou McTell), na cidade de Thomson, Geórgia, ele perdeu a visão ainda criança. Seu talento precoce para a música floresceu nas escolas para cegos, onde aprendeu a ler partituras em braille e desenvolveu suas habilidades no violão.
Muito cedo, McTell entendeu que sua música poderia lhe garantir o sustento e percorreu o Sul dos Estados Unidos, principalmente a Geórgia, tocando em esquinas, feiras, casas de shows e em qualquer lugar onde pudesse encantar o público com seu talento.
A Revolução do Violão de 12 Cordas
Blind Willie McTell dominava o violão de 12 cordas como poucos. Seu estilo percussivo e complexo criava um som rico, repleto de harmônicos e com uma pulsação que parecia uma banda inteira. Suas influências variavam entre o ragtime, o gospel e o blues rural, e seu jeito ágil de dedilhar as cordas fazia seu violão soar como uma orquestra ambulante.
Diferente do blues do Delta, mais cru e rasgado, McTell tinha um vocal claro e melodioso, com interpretações que iam do lamento ao humor, sempre com um refinamento técnico que chamava atenção.
Os Primeiros Registros e a Lenda de “Statesboro Blues”
Em 1927, McTell começou a registrar suas canções em estúdio. Gravou sob diferentes pseudônimos — como Blind Sammie, Georgia Bill e Hot Shot Willie — estratégia comum na época para burlar contratos de exclusividade e ampliar o mercado.
Seu maior sucesso veio em 1928, com a gravação de “Statesboro Blues” pela Victor Records. A canção, que narra histórias da cidade de Statesboro, na Geórgia, virou um hino do blues e atravessou gerações. Décadas depois, foi imortalizada pelo The Allman Brothers Band e reverenciada por artistas como Taj Mahal, Ry Cooder e Bob Dylan — este último chegou a compor a música “Blind Willie McTell” em sua homenagem.
Entre 1927 e 1933, McTell produziu dezenas de gravações que hoje são consideradas verdadeiras relíquias do blues, como “Mama, 'Tain't Long Fo' Day”, “Three Women Blues” e “Drive Away Blues”.
Os Anos da Depressão e as Sessões Históricas
Durante a Grande Depressão, McTell seguiu tocando nas ruas, estações de trem e mercados públicos, enquanto gravava esporadicamente para selos como Columbia e Decca. Em 1940, ele foi registrado pelo folclorista Alan Lomax para a Biblioteca do Congresso, numa gravação histórica feita em Atlanta, considerada uma das mais importantes da história do blues.
Apesar do reconhecimento limitado nos anos 1940, McTell continuou ativo. Gravou novamente em 1949 para a jovem Atlantic Records, no álbum Atlanta Twelve-String, e em 1956 fez sua última sessão de gravação, registrada em fita estéreo para um dono de loja de discos em Atlanta, trabalho que viria a ser lançado postumamente como Last Session pelo selo Bluesville.
Nos últimos anos de vida, atuou como pregador em uma igreja batista de Atlanta, integrando suas raízes religiosas à sua jornada musical.
Blind Willie McTell pela Third Man Records
Em 2013, o selo Third Man Records, comandado por Jack White, relançou o álbum “The Complete Recorded Works in Chronological Order, Volume 1 (1927-1933)” em parceria com a Document Records. Trata-se de uma coletânea em vinil, cuidadosamente remasterizada, que resgata as primeiras gravações de McTell, incluindo “Statesboro Blues” e outras faixas raras. Essa reedição deu novo fôlego à obra do mestre, conectando novos ouvintes às suas raízes profundas no blues.
Legado e Homenagens
Blind Willie McTell faleceu em 19 de agosto de 1959, aos 61 anos, vítima de um derrame cerebral. Mesmo sem ter alcançado fama em vida no nível de outros nomes do blues, seu legado permaneceu firme.
Ele foi incluído no Blues Hall of Fame em 1981 e no Georgia Music Hall of Fame em 1990. Em sua homenagem, existem monumentos, festivais e até um famoso clube de blues em Atlanta que leva seu nome: o Blind Willie’s.
Além disso, há um trecho musical em Statesboro, com placas e informações sobre sua vida, que mantém viva sua memória.
Blind Willie McTell: Eternamente Vivo no Blues
Mais que um músico, Blind Willie McTell foi um cronista do cotidiano, um poeta que retratava com humor, dor e esperança a vida do Sul dos Estados Unidos. Seu domínio do violão de 12 cordas e seu canto suave seguem inspirando gerações, provando que o blues não tem fronteiras nem data de validade.
Se o blues do Piemonte ecoa até hoje, é graças a pioneiros como ele — e cada acorde que sai de um violão reverbera um pouco da alma de Blind Willie McTell.
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