Son Seals: Guitarrista, Cantor e Lenda da Alligator Records

Son Seals: Guitarrista, Cantor e Lenda da Alligator Records




O blues já teve muitos filhos rebeldes e incendiários, mas poucos com a intensidade crua e visceral de Son Seals. Guitarrista autodidata, cantor de voz rasgada e compositor de alma dolorida, ele marcou profundamente o cenário do blues de Chicago nos anos 1970 e 1980, tornando-se um dos pilares da Alligator Records, selo que ajudou a revigorar o gênero no pós-Muddy Waters. Sua vida, marcada por contrastes entre espiritualidade e violência, introspecção e raiva, é um retrato perfeito do blues urbano em sua forma mais pura e sincera.

De Arkansas para o Mundo

Nascido Frank Seals em 13 de agosto de 1942, na pequena cidade de Osceola, Arkansas, o futuro Son Seals cresceu cercado por música. Seu pai, Jim "Son" Seals, era dono de um clube noturno, o Dipsy Doodle, onde o jovem Frank teve contato direto com lendas como B.B. King, Bobby Bland e Albert King. Inicialmente baterista, tocou profissionalmente aos 13 anos e logo migrou para a guitarra, seu verdadeiro altar. O apelido “Son” veio do pai — e foi herdado com orgulho e força.

A cena musical do Arkansas era rica, mas Seals sentia que o blues mais puro estava nas ruas de Chicago. Em 1971, após temporadas em Memphis e em turnês acompanhando Albert King, mudou-se para a Windy City. Lá encontrou seu espaço entre bares esfumaçados, esquinas perigosas e clubes lendários.

A estreia explosiva pela Alligator Records

Em 1973, Bruce Iglauer, fundador da Alligator Records, viu Seals se apresentar e ficou impressionado. Era tudo o que ele procurava: energia crua, autenticidade e uma sonoridade contemporânea sem perder a tradição. Nascia então The Son Seals Blues Band, o primeiro álbum de estúdio do artista — e o terceiro lançamento da própria Alligator. Foi um disco que misturava força elétrica com letras pungentes, guitarras ardidas e uma presença vocal inconfundível.

Faixas como “Your Love Is Like a Cancer”, “Hot Sauce” e “Now That I’m Down” revelam um blues moderno, sujo, elétrico e carregado de alma. Com este disco, Seals não apenas se apresentou ao mundo: ele gritou. Foi um verdadeiro manifesto de um bluesman contemporâneo — urbano, magoado e resistente. O álbum é frequentemente citado entre os mais importantes do blues moderno e ajudou a estabelecer o perfil sonoro da Alligator.



Entre fúria e lirismo: uma carreira em chamas

O estilo de Son Seals era agressivo, mas não gratuito. Sua guitarra parecia um grito de dor, às vezes desesperado, outras vezes desafiante. Seus vocais — roucos, feridos, mas sempre sinceros — combinavam perfeitamente com as letras que falavam de abandono, traição, amor e sobrevivência. Sua música era um espelho da vida dura de muitos afro-americanos em Chicago.

Ao longo dos anos, lançou álbuns como Midnight Son (1976), Chicago Fire (1980) e Living in the Danger Zone (1991). Todos mantinham sua pegada vigorosa, com arranjos bem produzidos e solos eletrizantes. Suas apresentações ao vivo, muitas vezes intensas e imprevisíveis, tornaram-se lendárias. Em 1996, lançou Live – Spontaneous Combustion, um disco ao vivo que capturou com precisão o caos controlado de suas performances.

Tragédias e resistência

A vida de Seals também foi marcada por tragédias. Em 1997, foi baleado por sua ex-mulher em sua própria casa — sobreviveu, mas sofreu com sérias complicações de saúde. Anos antes, já havia perdido parte de sua perna devido à diabetes. Ainda assim, voltou aos palcos, adaptando-se fisicamente, mas mantendo intacto seu espírito incendiário.

Mesmo enfrentando doenças e dificuldades financeiras, Seals nunca deixou de tocar. Sua devoção ao blues era absoluta. Em entrevistas, dizia que o blues era seu oxigênio — não apenas um trabalho, mas sua razão de viver. Até o fim, manteve-se fiel à estética crua e autêntica que marcou toda sua carreira.

A morte do guerreiro

Son Seals morreu no dia 20 de dezembro de 2004, aos 62 anos, vítima de complicações da diabetes. Seu falecimento foi lamentado em todo o mundo do blues. Artistas como Bonnie Raitt, Lucinda Williams e o próprio Bruce Iglauer prestaram homenagens ao homem que havia colocado o blues de volta ao centro do palco nos anos 70.

Em sua cidade natal, Osceola, foi criado um mural em sua homenagem. Mas seu verdadeiro memorial são os discos e o legado duradouro que deixou para o blues contemporâneo. Muitos guitarristas atuais devem a ele não apenas licks e riffs, mas a atitude de manter o blues relevante, vivo, barulhento — como deve ser.

Legado em chamas

Son Seals não foi um bluesman de conveniência. Não vestia o personagem: ele era o personagem. Sua música carregava o peso da experiência, das feridas, da raiva justa e do amor suado. Foi um artista que, mesmo diante da adversidade, nunca abaixou a cabeça. Preferia responder com solos cortantes, letras sinceras e presença incendiária.

O álbum de estreia pela Alligator em 1973 continua sendo um dos maiores cartões de visita do blues moderno. Ouvi-lo é como entrar numa sala onde a eletricidade está no ar — e a dor, no coração. Son Seals não apenas tocava blues. Ele era o blues.


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