Sleepy John Estes – A Lenda Redescoberta do Blues Acústico

Sleepy John Estes – A Lenda Redescoberta do Blues Acústico




Se há algo fascinante na história do blues, são os ciclos de ascensão, esquecimento e redescoberta de seus mestres. Poucos representam melhor essa trajetória do que Sleepy John Estes, uma lenda do blues acústico que atravessou décadas, crises e mudanças na indústria musical, mantendo viva a essência mais pura do gênero.

Nascido em 25 de janeiro de 1899, em Ripley, Tennessee, John Adam Estes, mais conhecido como Sleepy John Estes, recebeu esse apelido por conta de uma condição que o fazia parecer estar sempre sonolento — consequência de uma lesão ocular que acabou levando-o à cegueira total anos depois. Morreu em 5 de junho de 1977, deixando um legado imensurável para o blues e para a música popular americana.

Uma Vida de Blues — Do Sucesso ao Ostracismo

Estes começou sua carreira na década de 1920, gravando para selos como Victor, Decca e Bluebird. Suas músicas eram narrativas cruas e emocionantes sobre as dores e alegrias da vida no sul dos Estados Unidos. Ao lado de parceiros como o gaitista Hammie Nixon e o violinista Yank Rachell, construiu uma sonoridade inconfundível, baseada em sua voz sofrida, seu violão sincopado e letras profundamente humanas.

No entanto, como muitos dos pioneiros do blues, sua carreira entrou em declínio nos anos 40, com a ascensão do blues elétrico em Chicago e outras mudanças no gosto popular. Por mais de duas décadas, viveu quase no anonimato, de volta a Brownsville, Tennessee, lutando contra dificuldades financeiras e a cegueira.

A Redescoberta por Bob Koester e a Delmark Records

O ressurgimento do interesse pelo blues tradicional nos anos 1960 trouxe uma nova chance para vários artistas esquecidos. Foi nesse contexto que Bob Koester, fundador da Delmark Records, redescobriu Sleepy John Estes, então já sexagenário.

Koester organizou sessões de gravação que dariam origem ao álbum histórico "The Legend of Sleepy John Estes", lançado em 1962. Esse trabalho não só marcou o retorno de Estes aos holofotes, como também o colocou na trilha dos circuitos de festivais de blues e folk, tanto nos EUA quanto na Europa.



"The Legend of Sleepy John Estes" — Uma Sessão Histórica

Gravado nos dias 24 de março, 3 e 4 de junho de 1962, no Women's Club Hall, na 815 East Kilbourn Avenue, em Milwaukee, Wisconsin, este álbum é uma verdadeira cápsula do tempo. A gravação, feita por Ed Nunn, captura a essência do blues acústico do Delta e do Tennessee, em um momento de rara inspiração.

Além de Estes no vocal e violão, o álbum conta com um time afinadíssimo:

  • Hammie Nixon – gaita e parceiro de longa data de Estes;
  • John "Knocky" Parker – piano, adicionando uma camada rústica e dançante às faixas;
  • Ed Wilkinson – baixo, dando sustentação ao groove.

O repertório é uma revisitação dos grandes clássicos de Estes, incluindo faixas indispensáveis como:
🎸 "Divin' Duck Blues" – Uma das mais conhecidas, um lamento melódico que virou referência para gerações de músicos.
🎸 "Someday Baby Blues" – Co-escrita com Hammie Nixon, essa música se tornou uma das mais regravadas do blues, cruzando fronteiras para o rock e o folk.
🎸 "Stop That Thing" – Um convite irresistível para bater o pé, com seu swing contagiante.
🎸 "Milk Cow Blues" – Que depois ganharia releituras no blues elétrico e no rockabilly.
🎸 "Married Woman Blues" – Uma aula de como contar histórias simples e profundas, com humor e dor na medida exata.

Das 12 faixas do álbum, 11 foram compostas por Estes, demonstrando sua habilidade como letrista e contador de histórias. Apenas "Someday Baby" traz coautoria de Hammie Nixon.

A Importância do Álbum

"The Legend of Sleepy John Estes" não é apenas uma coleção de músicas — é um documento sonoro que conecta as raízes do blues rural do início do século XX ao renascimento do gênero nos anos 60. A produção é simples, direta e extremamente honesta, colocando os músicos no centro, sem artifícios, exatamente como o blues deve soar.

Este álbum ajudou a solidificar a importância de Sleepy John Estes no panteão dos grandes mestres do blues, influenciando nomes que vão de Bob Dylan a Taj Mahal, passando por incontáveis guitarristas e cantores apaixonados pela autenticidade do blues acústico.

Sleepy John Estes Vive no Blues

Mesmo após sua morte, em 1977, o legado de Sleepy John Estes continua reverberando. Suas gravações para a Delmark e para outros selos seguem como referência obrigatória para quem deseja compreender a verdadeira alma do blues.

Se você é apaixonado por blues, ouvir "The Legend of Sleepy John Estes" é mais do que uma recomendação — é um dever. Um mergulho na essência da música que moldou não só o blues, mas boa parte da música popular do século XX.


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