Mike Henderson: o sangue azul do blues que pulsava em Nashville

Mike Henderson: o sangue azul do blues que pulsava em Nashville



Um artesão do som entre o blues, o country e o bluegrass

Mike Henderson talvez nunca tenha sido um nome de multidões, mas para quem entende da alma da música americana, ele era essencial. Guitarrista, compositor, cantor e alquimista das raízes do sul dos Estados Unidos, Mike atravessou as fronteiras do blues, do bluegrass e do country com uma naturalidade desconcertante. De Bel Airs a Bluebloods, de estúdios de Nashville aos palcos com Chris Stapleton, sua trajetória é daquelas que se contam como lendas urbanas entre músicos de respeito.

Nascido em Independence, Missouri, em 1953, Henderson foi daqueles que fazem da música não um palco de vaidades, mas um ofício. Aprendeu a tocar guitarra, harmônica, mandolin e violino como quem aprende a respirar — com urgência e necessidade. E com esse domínio instrumental, Mike deixou sua marca em cada nota.

Do Missouri à capital mundial da música

Nos anos 80, Henderson começou a se destacar com a banda The Bel Airs, destilando blues elétrico com sabor de estrada e cerveja quente. Mas foi em Nashville, para onde se mudou em 1985, que encontrou o terreno ideal para fincar raízes. Passou a integrar bandas locais como os Roosters e os Snakes, tornando-se figura frequente no Bluebird Café, onde montou residência musical às segundas-feiras por mais de três décadas. Era ali, sem holofotes nem pirotecnia, que Mike despejava blues bruto, suado, como tem que ser.



Mike Henderson and the Bluebloods: blues sem maquiagem

Nos anos 90, enquanto o country radiofônico dominava Nashville, Mike seguiu na contramão com o projeto Mike Henderson and the Bluebloods. Era blues direto, sem adorno, daqueles que cortam como faca cega. A banda reunia músicos da pesada — Glenn Worf no baixo, John Gardner na bateria e, em algumas faixas, o lendário Reese Wynans nos teclados.

O álbum First Blood (1996) é um soco no estômago dos puristas: versões incendiárias de Howlin’ Wolf e Hound Dog Taylor, com doses generosas de slide guitar. Já Thicker Than Water (1998) soa ainda mais coeso, com faixas autorais que se misturam aos clássicos com naturalidade. Era como se Henderson dissesse: “Este é o meu blues, e ele sangra como o seu”.

Além do blues: um arquiteto do roots americano

Henderson não se prendeu a rótulos. Em 1993, lançou o álbum solo Country Music Made Me Do It, que trazia sua verve mais próxima do honky tonk, sem perder a pegada crua. Pouco depois, fundou o selo Dead Reckoning Records, ao lado de outros músicos inquietos como Kevin Welch e Kieran Kane, criando um espaço de liberdade para artistas que não cabiam nas prateleiras das grandes gravadoras.

Mas talvez sua maior revolução tenha sido como um dos fundadores da banda The SteelDrivers, ao lado de Tammy Rogers e Chris Stapleton. Misturando bluegrass com letras sombrias e arranjos nervosos, o grupo elevou o gênero a um novo patamar. Canções como “If It Hadn’t Been for Love”, co-escrita por Henderson, alcançaram projeção global — inclusive regravada por Adele.

Caneta afiada, dedos de aço

Mike também foi um dos compositores mais respeitados de Nashville. Suas parcerias com Chris Stapleton renderam clássicos contemporâneos como “Broken Halos” e “Starting Over”, ambos vencedores de prêmios importantes. Escreveu para artistas como Trisha Yearwood, Patty Loveless, Gary Allan e até para os Fabulous Thunderbirds, que gravaram seu “Powerful Stuff”, trilha do filme Cocktail.

Seja com a guitarra na mão ou com o lápis no papel, Henderson parecia ter um pacto com a sinceridade musical. Nada nele era artificial. Tudo vinha de um lugar profundamente humano.

O adeus silencioso de um gigante

Mike Henderson faleceu em setembro de 2023, aos 70 anos, enquanto dormia em casa, em Nashville. Foi uma partida serena para alguém que, em vida, carregou tanta intensidade. Seu legado, no entanto, está longe de adormecer. Continua ecoando nos bares que ainda respeitam o blues verdadeiro, nos palcos onde o slide chora, e nas músicas que ele deixou como sementes para o futuro.

Conclusão

Mike Henderson foi daqueles músicos que vivem no subsolo do estrelato, mas sustentam o teto da música de verdade. Com seus Bluebloods, ele destilou o que o blues tem de mais visceral. Com os SteelDrivers, reescreveu a gramática do bluegrass. Com Chris Stapleton, mostrou que há lugar para alma na indústria. E com sua vida inteira, nos ensinou que o melhor som é aquele que vem de dentro.


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