John Lee Hooker: A Hipnose Rítmica do Blues
John Lee Hooker: A Hipnose Rítmica do Blues
John Lee Hooker não cantava o blues apenas com a voz. Ele fazia o chão tremer com seu pé marcando o tempo, criava feitiçarias com uma guitarra minimalista e esculpia atmosferas cruas, viscerais, que pareciam emergir diretamente da alma ferida do Mississippi. Entre todos os gigantes do blues, poucos foram tão inconfundíveis, tão teimosamente originais e tão amplamente influentes quanto ele.
Do Delta à Detroit: as origens do "Boogie Man"
Nascido em 22 de agosto de 1917, em Clarksdale, Mississippi — uma das capitais sagradas do blues — John Lee Hooker cresceu em uma plantação, em uma família de fazendeiros e pregadores batistas. Seu pai proibia música secular em casa, mas o destino fez com que Hooker tivesse um padrasto com conexões musicais poderosas: Will Moore, ex-discípulo de Tony Hollins e associado de artistas do Delta como Charley Patton.
Foi Moore quem colocou pela primeira vez uma guitarra nas mãos do jovem Hooker, ensinando-lhe não apenas os acordes básicos, mas também a liberdade rítmica que se tornaria sua assinatura. Hooker não aprendeu a tocar seguindo padrões rígidos: ele criava os próprios compassos, alterava tempos e medidas ao sabor da emoção. Essa liberdade o acompanharia por toda a carreira.
A Detroit elétrica e o nascimento de uma lenda
Na década de 1940, Hooker deixou o Sul para trabalhar nas indústrias de Detroit, mas levou consigo o espírito do Delta. Em 1948, gravou o clássico “Boogie Chillen’”, com apenas uma guitarra e um microfone, em um estúdio improvisado. Lançado pela Modern Records, o single se tornou um fenômeno imediato, vendendo mais de um milhão de cópias e colocando o nome de Hooker entre os grandes do blues urbano.
“Boogie Chillen’” não era apenas uma canção: era uma revolução. Com sua batida hipnótica, repetitiva, e um vocal meio falado, meio sussurrado, Hooker estabelecia um novo caminho, um blues cru que não seguia regras, que priorizava a emoção sobre a técnica. Ele não soava como Muddy Waters ou Howlin’ Wolf. Hooker criava sua própria linhagem.
Um estilo único: menos é mais
Hooker não era virtuose em termos técnicos, mas dominava como ninguém a arte da repetição expressiva. Suas músicas muitas vezes flutuavam em torno de um único acorde. Em vez de solos complexos, ele usava o poder da cadência e da narrativa. O pé batendo marcava o tempo como um metrônomo primitivo. Sua voz, grave e cavernosa, narrava histórias de solidão, trabalho duro, desejo e redenção.
Essa abordagem deu origem a sucessos como “Crawling King Snake”, “I’m in the Mood”, “Boom Boom” e “Dimples” — canções que pareciam mais evocações do que composições convencionais. E funcionava. Hooker criava uma atmosfera em que o tempo parecia suspenso. O ouvinte era enredado pelo som como por um transe.
O artista dos mil pseudônimos
Durante os anos 1950, Hooker gravou com inúmeros selos — Vee-Jay, Chess, Specialty, entre outros — muitas vezes sob nomes diferentes, como Texas Slim, Delta John, Johnny Williams, Birmingham Sam, entre outros. Essa prática, comum entre os bluesmen da época, visava contornar contratos e aumentar os ganhos, mas também multiplicou seu catálogo e espalhou sua influência por diferentes mercados.
Diálogos com o rock e a expansão global
Com a explosão do rock nos anos 1960, a figura de John Lee Hooker foi redescoberta por uma nova geração de artistas. Grupos britânicos como Rolling Stones, The Animals e Yardbirds declararam abertamente sua admiração. Eric Clapton, Van Morrison e Carlos Santana também beberam da mesma fonte. Hooker não apenas influenciou, como começou a colaborar com esses músicos.
Seu disco “Hooker ‘n Heat” (1971), com a banda Canned Heat, marcou um encontro de gerações. Foi seu primeiro álbum a entrar na Billboard 200 e o último gravado por Alan Wilson antes de sua morte. O trabalho mostrou que Hooker era capaz de dialogar com o som contemporâneo sem perder sua essência.
A redescoberta nos anos 1980 e 1990
Depois de um período de menor visibilidade, Hooker viveu uma notável fase de renascimento nos anos 1980 e 90. Em 1989, lançou o premiado álbum “The Healer”, com participações de Carlos Santana, Bonnie Raitt, Robert Cray e Los Lobos. A canção “I’m in the Mood” (com Raitt) ganhou o Grammy de Melhor Performance de Blues Tradicional.
Outros álbuns dessa fase incluem “Mr. Lucky” (1991), “Chill Out” (1995) e “Don’t Look Back” (1997), este último com Van Morrison. Neles, Hooker reafirmava sua posição como um ícone intergeracional, respeitado tanto pelo público tradicional do blues quanto por novos fãs do rock e da música pop.
Prêmios, homenagens e legado
Hooker ganhou quatro prêmios Grammy e foi introduzido no Rock and Roll Hall of Fame em 1991. Em 2000, pouco antes de sua morte, recebeu uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood e uma homenagem no Kennedy Center Honors. Suas músicas foram trilhas sonoras de filmes, comerciais e séries — sua presença cultural é ubíqua.
Mais do que um músico, Hooker se tornou símbolo do poder hipnótico do blues. Seu estilo ecoa no garage rock, no hip hop, no techno de Detroit. Ele é o bluesman que atravessou gerações sem jamais abrir mão de sua essência.
Últimos dias e adeus ao mestre
John Lee Hooker faleceu em 21 de junho de 2001, aos 83 anos, enquanto dormia em sua casa em Los Altos, Califórnia. Havia feito um show dois dias antes — ainda ativo, ainda encantando plateias. Seu corpo foi sepultado em Oakland, mas sua voz e seu ritmo continuam vivos onde quer que alguém bata o pé e invoque o espírito do blues.
Discografia essencial
- “Boogie Chillen’” (single, 1948)
- “I’m in the Mood” (single, 1951)
- “It Serves You Right to Suffer” (1966)
- “Hooker ‘n Heat” (1971)
- “The Healer” (1989)
- “Mr. Lucky” (1991)
- “Chill Out” (1995)
- “Don’t Look Back” (1997)
O som que hipnotiza
John Lee Hooker provou que o blues não precisa ser complicado para ser profundo. Sua força está no transe, na batida, na voz que carrega os dramas do mundo. É o som da terra, do suor, da resistência — e da alma que nunca se rende.
Ouvir Hooker é entrar em contato com uma forma primitiva e moderna de expressão. É sentir o blues em sua pulsação mais crua. E, como ele mesmo dizia: “It’s in him, and it’s got to come out.”
Comentários
Postar um comentário