Doc Pomus: O Poeta do Blues Que Escreveu o Rock’n’Roll
Doc Pomus: O Poeta do Blues Que Escreveu o Rock’n’Roll
Jerome Solon Felder, conhecido mundialmente como Doc Pomus, nasceu em 27 de junho de 1925, no Brooklyn, Nova Iorque, e transformou suas dores pessoais em poesia que atravessou o século XX. Mesmo sendo uma figura muitas vezes ofuscada por intérpretes e parceiros, seu nome está gravado entre os maiores compositores da música norte-americana. Neste perfil especial, traçamos a trajetória de um homem que fez do blues seu porto seguro — e do rock'n'roll, sua ponte para a eternidade.
O caminho da superação: um bluesman improvável
Doc Pomus contraiu pólio aos seis anos e passou a vida entre muletas e cadeiras de rodas. A limitação física, no entanto, não impediu que se conectasse profundamente com o universo do blues — gênero que também nasceu da dor, da exclusão e da resiliência.
Durante a adolescência, apaixonou-se por cantores como Big Joe Turner e Champion Jack Dupree. Começou a cantar em clubes do Harlem, desafiando o preconceito racial e o estranhamento por ser um homem branco e deficiente físico no meio de músicos negros e vigorosos. Apresentava-se como blues shouter, inspirado nos grandes do rhythm & blues dos anos 1940.
Entre seus primeiros lançamentos estão canções como "My Good Pott" e "Send for the Doctor", gravadas por selos independentes como Savoy e Chess. No entanto, mesmo com talento vocal, sua real vocação se mostraria na escrita.
O nascimento do compositor: a transição para o Brill Building
No final da década de 1940, Pomus foi contratado pela Atlantic Records para escrever canções. Sua primeira composição de sucesso foi "Lonely Avenue", eternizada por Ray Charles em 1956 — uma faixa de blues denso, marcada por solidão e dor, que refletia tanto o espírito do gênero quanto a alma de seu autor.
Essa virada profissional coincidiu com o florescimento do Brill Building, em Nova Iorque, centro nervoso da indústria musical nos anos 50 e 60. Lá, Pomus conheceu o jovem compositor Mort Shuman, com quem formaria uma das duplas mais produtivas da história da música.
Hits e imortalidade: o homem por trás de Elvis e Dion
A parceria com Shuman rendeu dezenas de sucessos, muitos deles gravados por Elvis Presley. Entre os destaques, estão:
- "Little Sister"
- "Surrender"
- "His Latest Flame"
- "Viva Las Vegas"
Mas não foi apenas o Rei do Rock que brilhou com suas letras. Canções como "This Magic Moment" (The Drifters), "A Teenager in Love" (Dion and the Belmonts), "Young Blood" (Coasters) e "Save the Last Dance for Me" (Drifters) tornaram-se hinos de gerações inteiras.
“Save the Last Dance for Me”, em particular, é carregada de emoção pessoal. Doc a escreveu para sua esposa, sabendo que nunca poderia dançar com ela — uma prova de como sua vida real moldava suas composições com profundidade e verdade.
Um branco no blues: reconhecimento tardio
Mesmo imerso na cena pop e rock’n’roll, o blues nunca saiu do coração de Doc Pomus. Durante os anos 60, com o surgimento da geração dos compositores-intérpretes (como Bob Dylan e os Beatles), sua produção sofreu um baque. Abandonado pelas gravadoras, mergulhou em uma década obscura marcada por jogos de pôquer e isolamento.
Mas, nos anos 70 e 80, Pomus ressurgiu como mentor e coautor de artistas como Dr. John, Willy DeVille e Irma Thomas. Com eles, escreveu canções maduras, entre elas:
- "There Must Be a Better World Somewhere" – gravada por B.B. King, com a qual venceu um Grammy.
- "There Is Always One More Time" – uma reflexão tardia sobre esperança, amor e persistência.
Uma vida em versos: o documentário "A.K.A. Doc Pomus"
Em 2012, um emocionante documentário chamado "A.K.A. Doc Pomus" revelou ao grande público a dimensão da vida e obra de Jerome Felder. Com direção de Peter Miller e produção de sua filha, Sharyn Felder, o filme mistura depoimentos de amigos, trechos de cartas e imagens raras.
Com participações de Lou Reed, Dr. John, Dion e Ben E. King, o documentário é um retrato comovente de um artista que escreveu com a alma — muitas vezes à custa do próprio corpo.
Legado: Doc Pomus no panteão dos grandes
Após sua morte, em 1991, Doc Pomus foi incluído no Rock and Roll Hall of Fame (1992), Songwriters Hall of Fame (1992) e Blues Hall of Fame (2012). Também recebeu o Pioneer Award da Rhythm & Blues Foundation — sendo o primeiro homem branco a conquistar esse feito.
Suas músicas foram regravadas por artistas dos mais diversos estilos: John Lennon, Bob Dylan, Bruce Springsteen, Marianne Faithfull, Dolly Parton, Irma Thomas e Elvis Costello, para citar apenas alguns.
“Ele escreveu a alma do rock com o coração do blues”, resumiu Lou Reed certa vez. E não há forma mais justa de definir o legado de Doc Pomus: um artesão da emoção, que transformou limitações em liberdade, e angústia em arte eterna.
Ouça Doc Pomus: Here Comes My Blues
Para conhecer de perto a veia blues que sempre pulsou sob seus hits, ouça o álbum "Here Comes My Blues – A Doc Pomus Collection", uma compilação essencial disponível no Spotify.
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