Big Bill Broonzy: A ponte entre o blues rural e o urbano
Big Bill Broonzy: A ponte entre o blues rural e o urbano
Em 26 de junho de 1893 (ou 1903, como alguns registros indicam), nascia William Lee Conley Broonzy, mais conhecido como Big Bill Broonzy. Cantor, compositor e guitarrista, ele foi um dos artistas mais influentes do blues norte-americano. Sua trajetória ajuda a compreender a transição entre o country blues do sul rural dos Estados Unidos e o blues elétrico e urbano de Chicago. Big Bill Broonzy não foi apenas um cronista de sua época, mas um verdadeiro embaixador do blues pelo mundo.
Origens: entre a plantação e a música sacra
Big Bill nasceu em Scott County, Mississippi, filho de pais trabalhadores rurais. Ainda criança, mudou-se com a família para Pine Bluff, Arkansas, onde começou a trabalhar nas plantações de algodão. Como muitos afro-americanos do sul naquela época, teve uma infância marcada pela pobreza e pela labuta, mas encontrou um refúgio na música gospel.
Seu primeiro instrumento foi o violino, com o qual acompanhava cultos religiosos. Esse contato com a música sacra deixou marcas profundas em sua formação. Mais tarde, trocaria o violino pelo violão, instrumento com o qual se tornaria uma lenda. Após servir na Primeira Guerra Mundial e experimentar a vida como operário em Chicago, Broonzy começou a se apresentar nas festas e clubes da cidade.
Blues de Chicago: o início da carreira fonográfica
Nos anos 1920, Chicago vivia uma efervescência musical. Músicos do delta do Mississippi migravam para o norte e levavam consigo o country blues, adaptando-o ao ambiente urbano. Big Bill foi um desses artistas. Seu primeiro disco, “House Rent Stomp”, foi gravado em 1927 para o selo Paramount, mas não teve muito impacto comercial.
Foi apenas nos anos 1930 que sua carreira começou a deslanchar, com canções como “Big Bill Blues”, “Key to the Highway” e “All By Myself”. O estilo de Broonzy era uma fusão entre o blues tradicional e uma abordagem mais melódica, com letras que abordavam desde o cotidiano da classe trabalhadora até questões sociais mais amplas.
Versatilidade e parcerias
Big Bill Broonzy também foi conhecido por sua versatilidade como instrumentista. Sua técnica de dedilhado influenciou gerações de músicos, especialmente aqueles ligados ao Piedmont blues e ao folk revival das décadas seguintes. Entre seus parceiros de palco e gravações estiveram nomes como Memphis Minnie, John Lee “Sonny Boy” Williamson, Washboard Sam e Tampa Red.
Durante a década de 1940, gravou para diversos selos, como Bluebird e Columbia, sempre reinventando seu repertório. Também atuou como cantor de músicas de protesto, o que lhe rendeu grande prestígio junto ao público liberal e intelectual dos Estados Unidos e Europa.
“Key to the Highway” e a imortalidade no blues
Uma das composições mais famosas de Broonzy é “Key to the Highway”, que se tornaria um verdadeiro hino do blues. Gravada originalmente por Charlie Segar em 1940, a canção foi popularizada por Broonzy em 1941, em uma versão em ritmo 12-bar blues que viria a se tornar o padrão definitivo.
A música teve inúmeras regravações por artistas como Eric Clapton, Muddy Waters, Little Walter e The Rolling Stones, o que demonstra a profundidade da influência de Big Bill no repertório clássico do gênero.
Do blues ao folk: reinvenção e prestígio internacional
No pós-guerra, com o avanço do blues elétrico em Chicago, artistas como Muddy Waters, Howlin’ Wolf e Little Walter passaram a dominar o cenário. Big Bill, então, soube se reinventar. Abandonou temporariamente o formato urbano e adotou um repertório mais próximo do folk blues, conquistando um novo público, especialmente nos circuitos universitários e em turnês europeias.
Foi nesse período que ele participou do célebre “American Folk Blues Festival”, ao lado de outros veteranos do gênero, como Lonnie Johnson e Sonny Terry & Brownie McGhee. Broonzy se tornou uma espécie de porta-voz do blues tradicional, respeitado por acadêmicos, jornalistas e jovens músicos.
Ativismo e crítica social
Big Bill também foi um importante comentarista social. Suas canções abordavam o racismo, a pobreza, o desemprego e as condições precárias de vida enfrentadas pelos negros americanos. Em faixas como “Black, Brown and White”, denunciava a hipocrisia das promessas de igualdade racial nos Estados Unidos:
* “If you was white, you'd be all right / If you was brown, stick around / But if you's black, oh brother / Get back, get back, get back”
Essa canção foi censurada por selos norte-americanos, o que levou Broonzy a gravá-la na Europa. Ele nunca deixou de usar sua música como forma de resistência e denúncia, uma postura que o aproxima de nomes como Lead Belly e Woody Guthrie.
Últimos anos e legado
Nos anos 1950, Big Bill continuava ativo, apesar do diagnóstico de câncer na garganta. Gravou seus últimos discos na Europa e nos EUA, sendo o álbum “Big Bill’s Blues” (1957) um de seus trabalhos mais pessoais. Morreu em Chicago, no dia 15 de agosto de 1958, aos 65 anos (ou 55, dependendo do ano de nascimento real).
Após sua morte, seu legado seguiu vivo. Broonzy influenciou diretamente artistas como Bob Dylan, Joan Baez, Eric Clapton e Ray Davies. Sua música ajudou a moldar o caminho para o blues revival dos anos 1960 e para o reconhecimento do blues como forma de arte legítima no cenário mundial.
Discografia essencial
- “The Young Big Bill Broonzy” (1928–1935) – Compilação essencial do seu período inicial.
- “Big Bill’s Blues” (1957) – Gravações intimistas, acústicas e confessionais.
- “Trouble in Mind” (1956) – Gravado durante sua turnê europeia, traz clássicos em formato folk.
- “Big Bill Broonzy Sings Folk Songs” (1956) – Um dos discos que o consagrou no circuito folk.
O legado cultural de um mestre
Big Bill Broonzy foi muito mais do que um grande músico. Ele foi um cronista da experiência negra nos Estados Unidos, um homem que cantou com honestidade sobre suas dores, alegrias, frustrações e esperanças. Como disse o crítico Peter Guralnick, “Broonzy era a ponte viva entre duas eras do blues”.
Hoje, ao se escutar sua voz grave, sua cadência firme e suas letras cortantes, percebe-se que sua música ainda tem muito a dizer. No dia de seu nascimento, celebramos não só um artista, mas um elo fundamental na história da música popular do século XX.
Conclusão: Big Bill Broonzy vive no coração do blues
Em tempos de algoritmos e playlists, Big Bill Broonzy ainda é uma descoberta que emociona. Ouvir seus discos é reencontrar a alma do blues em sua forma mais genuína. E, acima de tudo, é lembrar que, antes das guitarras distorcidas e dos palcos lotados, havia um homem com um violão e uma história para contar.
* “Se você fosse branco, estaria tudo bem / Se fosse moreno, podia ficar / Mas se for negro, meu irmão... / Dê o fora, dê o fora, dê o fora.”
— Big Bill Broonzy, “Black, Brown and White”
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